Poesia Coreana
Há uma voz nova na poesia brasileira. Vem da Coreia, obra de Kim Ki-taek, pela tradução de Yun Jung Im, que se dedica há vários anos à tradução de autores da sua terra natal. Traduzir poesia, quando realmente funciona, é de fato uma transfusão. Ao reescrever o texto original no idioma receptivo, o tradutor realiza um processo inovador, ocultado inicialmente pela sensação do desconcerto diante do que nos parece ao mesmo tempo estranho e familiar. Imagino que o mesmo ocorra com os leitores iniciantes deste poeta em sua própria língua.
E, como sabemos, isso também acontece quando deparamos com um poeta brasileiro ou português inovador. Pois o poeta faz com que redescubramos a própria linguagem das “coisas”, ao mesmo tempo que desarticula os lugares comuns e nos coloca diante de uma percepção irrequieta, perturbadora, de existir em nós e no mundo – ambos desconhecidos.
Uma experiência de redescoberta de um universo que não está de acordo consigo e muito menos conosco. A tentativa de organizá-lo depara-se com o impossível, não há como fixar imagens e palavras num quadro inerte. Pois tudo se move – não numa tela metafísica, mas na metafísica que nosso próprio corpo representa, incluindo a dor, a dúvida, a angústia, a ideia de dissolução e morte a todo o tempo, ainda que, segundo o lampejo de Nietzsche afastada de modo sistemático. A ilusão de que nós nos entendíamos, ou quase, fica desfeita e tudo se coloca desse modo como o desafio a partir de agora, no agora que também é antes e depois. Há angústia e, de modo surpreendente – o que provoca mais desconforto –, uma alegria esfuziante, espécie de aura que acompanha a sombra de um Walt Whitman, por exemplo. Ou um chiclete luminoso achado embaixo da mesa.
Moacir Amâncio
***
em frente a um imenso plátano
Uma bicicleta de carga corre na frente de um caminhão basculante
Uma estrada estreita de duas vias sem acostamento
As rodas da bicicleta giram lentas
Por mais rápido que se pise no pedal
A buzina esganiçando, feito bocarra de leão, morde a roda traseira
[da bicicleta
Mas a bicicleta fazendo girar em falso suas rodas
Continua passando por um imenso plátano
O caminhão persegue colado à traseira como se fosse engoli-la
Mas as rodas da bicicleta seguem tranquilas como se puxassem um
[imenso elefante por uma corda
Enquanto os pés e os pedais giram mais rápido que as rodas.
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커다란 플라타너스 앞에서
덤프트럭 앞에서 짐자전거가 앞만 보며 달린다
갓길 없는 좁은 이차선 도로
아무리 빠르게 밟아도
느릿느릿 돌아가는 자전거 바퀴
사자 아가리 같은 경적이 쩌렁쩌렁 울며 뒷바퀴를 물어도
헛바퀴만 돌리며
아직도 커다른 플라타너스 앞을 지나가고 있는 자전거
자전거를 삼킬 듯 트럭은 꽁무니에 붙어서 오고
거대한 코끼리 한 마리 줄에 달고 가듯 바퀴는 한적하고
발과 페달은 자전거 바퀴보다 빠르게 돌아가고
***
banco de madeira
Há um banco comprido de madeira à beira de uma rua tranquila.
Está postado ali sem se mover o dia inteiro.
Suas pernas não arredariam um passo sequer mesmo sob açoite,
[mas o banco está acorrentado.
Não há bedel para vigiar, mas o banco não se senta nem se deita.
A ver pela corrente, até parece que aquelas pernas curtas e grossas vão
[sair andando por aí.
Mas para terem amarrado firme um banco teimoso turrão como esse
[num poste de ferro, é porque deve ter um antecedente de fuga.
Como se, na calada de uma noite escura, tivesse saído dali montado
[sobre os ombros de um ladrão
Transpondo a colina e virando a esquina, onde uma perna sem
[articulação não poderia chegar de jeito nenhum.
Mas agora o banco se posta quieto e imóvel como se esperasse um dono
[a montar em suas costas.
As costas do banco passam o dia praticamente vazias, mas, de vez
[em quando,
Quando é noitinha clara e fresca, algumas vovozinhas chegam.
Então, elas até verificam se o banco continua firmemente acorrentado
Como se soubessem que o banco está se fazendo de imobilizado, ainda
[que possa fugir um dia.
Às vezes alisam ou dão tapinhas na cabeça e nas costas do banco, como
[em um pônei.
As vozes e os risos das vovozinhas que ficam conversando à noitinha
[sobre o banco
Se espalham para longe do céu noturno, sem paredes ou teto, ao vento
[e à luz das estrelas.
E então, as pernas do banco também se entusiasmam e começam a se
[mexer aos poucos, dando estalidos.
E quando a conversa fica animada o banco parece alçar voo
[carregando as vovozinhas ao céu da noite.
Não importa se o banco chacoalha, não importa se o céu da noite
[é alto
A corrente de ferro é forte, as conversas no céu da noite não têm fim,
[e nada perturba as vovozinhas.
Mas quando elas não estão, o dia é longo e a corrente fica à toa
E o banco suporta sozinho as horas insossas, longe da rua e das nuvens
[por quais anela.
Até a fria e zelosa corrente de ferro suporta as horas enferrujadas,
[segurando-se firme nas pernas do banco.
.
긴 나무의자
한적한 길가에 긴 나무의자가 하나 있습니다.
종일 움직이지도 않고 한자리에만 서 있습니다.
채찍을 휘둘러도 한 발짝도 움직이지 못할 다리인데 쇠사슬에 매여 있습니다.
감시하는 사람 없어도 앉거나 눕지 않습니다.
쇠사슬을 채워놓으니까 뭉특한 다리가 정말 움직일 것 같습니다.
고지식한 의자도 쇠말뚝에 단단하게 묶어둔 걸 보면
도망갔다 온 전과도 있는 것 같습니다.
으슥한 밤중에 도둑의 어깨를 마차처럼 타고
언덕 너머 골목길을 돌아 관절 없는 다리가 도저히 갈 수 없는 곳으로 가본 듯합
다.
그러나 지금은 등에 태울 주인을 기다리고 있다는 듯 묵묵히 서 있습니다.
의자 등은 종일 비어 있지만, 가끔
맑고 선선한 밤이 되면 할머니 몇이 나와 앉아 있습니다.
그 때 할머니들은 의자가 쇠사슬에 단단히 매여 있나 확인하기도 합니다.
언제든 달아날 수도 있지만 지금은 꼼짝 못하는 척하는 걸 다 안다는 듯 말입니다.
의자 머리와 등을 조랑말처럼 쓰다듬거나 툭툭 두드려 주기도 합니다.
저녁에 그 의자에 앉아 이야기를 나누는 할머니들 목소리와 웃음소리는
벽과 천장이 없는 바람과 별빛을 받아 밤하늘 멀리 퍼져나갑니다.
그러면 의자 다리도 흥분한 듯 조금씩 삐걱거리며 움직이기 시작합니다.
이야기가 활기를 띠면 의자는 할머니들을 태운 채로 밤하늘 높이 오를 것 같습니다.
의자가 들썩거리거나 말거나 밤하늘이 높거나 말거나
쇠사슬은 튼튼하고 이야기는 밤하늘에 끝이 없고 할머니들은 태연하기만 합니다.
그러나 할머니들 없는 날, 하루는 길고 쇠사슬은 할일이 없어
의자는 궁금한 길과 구름을 놔두고 홀로 무뚝뚝한 시간을 견딥니다.
차갑고 성실한 쇠사슬도 녹슨 시간을 견디며 의자 다리를 꼭 붙들고 있습니다.
***
rosto triste
Finalmente a tristeza tomou conta de todo o seu rosto.
A tristeza que vinha se protuberando de dentro assim como cresce
[a barba
Já cobria todo o rosto sem que se pudesse dizer desde quando.
Espalhava-se meticulosa por todos os cantos do corpo feito malha de
[nervos e vasos sanguíneos.
Ainda que ele risse, a tristeza não lhe dava a mínima.
Comia, bebia e falava alto, mas não lhe dava a mínima.
A hora se aproximava tranquila, como passos largados,
Quando todas as pronúncias que botara para fora até então se
[sovassem de uma vez em um choro.
Ainda que pudesse espatifar de imediato aquele punhado de riso
A tristeza deixou que ele soltasse uma risada ainda mais arrebatada.
Ainda que pudesse socar o punho cerrado de choro no fundo do bico
[que tagarelava
Ficou a ouvir calado o som daquela voz a respingar alegremente a saliva.
Cada vez que as veias do pescoço e testa engrossavam ao ritmo do riso
[e parla
Via-se o rastro da tristeza fluindo cada vez mais nítida.
Quando, em meio à risada, a expressão se retorcia um pouco que fosse
Custava a amainar-se por mais que esboçasse um riso aberto
Quando, em meio ao riso que subia de tom, tremia um pouco que fosse
De pronto ficava a ponto de estourar em choro, como se estivesse
[só esperando.
Gargalhava agarrando a barriga com uma piada nem tão
[engraçada assim
Como se temesse ser descoberto da sua tristeza.
Com o coração na mão, temendo que o riso e a parla cessassem
[de repente.
.
슬픈 얼굴
이윽고 슬픔은 그의 얼굴을 다 차지했다.
수염이 자라는 속도로 차오르던 슬픔이
어느새 얼굴을 덥수룩하게 덮고 있었다.
혈관과 신경망처럼 몸 구석구석에 정교하게 퍼져 있었다.
그는 웃고 있었으나 슬픔은 아랑곳하지 않았다.
먹고 마시고 떠들고 있었으나 아랑곳하지 않았다.
그동안 내뱉은 모든 발음이 울음으로 한꺼번에 뭉개질 시간이
팔자걸음처럼 한적하게 다가오고 있었다.
한줌밖에 안되는 웃음을 당장 패대기칠 수도 있었지만
슬픔은 그가 더 호탕하게 웃도록 내버려두었다.
조잘대는 주둥이 깊숙이 주먹 같은 울음을 처박을 수도 있었지만
침이 즐겁게 튀는 말소리를 묵묵히 듣고만 있었다.
웃음과 수다에 맞추어 목과 이마의 핏줄이 굵어질 때마다
슬픔이 지나가는 자리가 점점 선명해지는 게 보였다.
웃다가 조금이라도 표정이 일그러지면
아무리 환하게 웃어도 좀처럼 다시 펴지지 않았고
웃음이 고음으로 가다가 조금이라도 떨리면
기다렸다는 듯 즉시 울음소리로 바뀌려 하였다.
그다지 우습지 않은 농담에도
슬픔이 들킬까봐 배를 움켜쥐고 웃고 있었다.
웃음과 수다가 갑자기 그칠까봐 조 조마하고 있었다.
***
chiclete
Um chiclete jogado já mascado por alguém.
Chiclete onde restam marcas claras de dente.
Chiclete encerrado em tantas marcas de dente,
Inumeramente socadas de novo e de novo
Sobre marcas já cravadas
Tendo amassado-as, camada a camada, dentro do seu diminuto corpo
Sem jogar ou apagar nenhuma que seja
Compactando todas elas numa massa, pequena e redonda,
Passa agora as suas horas de fóssil, em silêncio.
Chiclete que resta sem ser rasgado ou despedaçado um pouco que seja
Sem ser lacerado de todo
Por mais que tenha sido dilacerado e novamente dilacerado
Por dentes que esgarçavam carnes e trituravam frutas.
Chiclete que brincava com o sangue, a carne e o cheiro nauseante
Com o seu toque macio como pele
Com a sua textura glutinosa como carne
Com a sua elasticidade gelatinosa, feito pernas e braços abanando-se
[embaixo dos dentes
Revivendo a lembrança da carnificina remota já esquecida pelos dentes.
Chiclete que suportava com o corpo inteiro
Todo o desejo de carnificina hostilidade impregnado nos dentes
[pela história do planeta.
Chiclete largado a contragosto
Pelos dentes a se cansarem primeiro
Ao fim de tanto espremer, macerar, dilacerar.
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껌
누군가 씹다 버린 껌.
이빨자국이 선명하게 남아 있는 껌.
이미 찍힌 이빨자국 위에
다시 찍히고 찍히고 무수히 찍힌 이빨자국들을
하나도 버리거나 지우지 않고
작은 몸속에 겹겹이 구겨넣어
작고 동그란 덩어리로 뭉쳐놓은 껌.
그 많은 이빨자국 속에서
지금은 고요히 화석의 시간을 보내고 있는 껌.
고기를 찢고 열매를 부수던 힘이
아무리 짓이기고 짓이겨도
다 짓이겨지지 않고
조금도 찢어지거나 부서지지도 않은 껌.
살처럼 부드러운 촉감으로
고기처럼 쫄깃한 질감으로
이빨 밑에서 발버둥치는 팔다리 같은 물렁물렁한 탄력으로
이빨들이 잊고 있던 먼 살육의 기억을 깨워
그 피와 살과 비린내와 함께 놀던 껌.
지구의 일생 동안 이빨에 각인된 살의와 적의를
제 한몸에 고스란히 받고 있던 껌.
마음껏 뭉개고 갈고 짓누르다
이빨이 먼저 지쳐
마지못해 놓아준 껌.
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Kim Ki-taek nasceu em 1957 na cidade de Anyang, arredores de Seul, e estreou como poeta em 1989. Publicou, além de Chiclete (2009), O sono do feto (1992), Tempestade no buraco da agulha (1994), O funcionário de colarinho branco (1999), O boi (2005) e De rachadura em rachadura (2012). Também traduziu várias obras infantis estrangeiras, entre eles, O flautista de Hamelin. O poeta vem recebendo destaque da crítica em virtude do seu universo poético singular, que, com uma retórica racionalizada e descrições áridas, desconstrói a paisagem e os fenômenos do nosso entorno urbano. É vencedor de diversos prêmios literários em seu país.
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Yun Jung Im, fundadora do curso de Língua e Literatura Coreana da Universidade de São Paulo, já traduziu obras importantes da literatura coreana para o português, com destaque para o Olho de Corvo e outras obras de Yi Sang (Perspectiva, 1999) e A Vegetariana (Devir, 2013), respectivamente Prêmio Coreano de Tradução Literária em 2001 e 2014. E-mail: paulayunim@hotmail.com
Confira entrevista com a tradutora, aqui.
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