Cadernos Negros


Falar dos Cadernos Negros é exteriorizar e transpirar conhecimento sobre a etnia. E, em especial, sobre a raça Negra. Os Cadernos Negros foram criados no CECAN – Centro de Cultura e Arte Negra, em 1978, por Cuti e Hugo Ferreira, e têm sua organização realizada, desde 1998, por Márcio Barbosa e Esmeralda Ribeiro. Estes quatro são verdadeiros “faróis” na propagação do conhecimento e enriquecimento de nossa cultura afro-brasileira.

As edições dos Cadernos Negros vieram para mostrar e dar dignidade ao povo preto nos saberes da escrita como meio de expressão. Fui membro do ANDDN  – Associação Nacional de Defesa dos Direitos dos Negros, na década de 1980, quando ainda era estudante de Direito. Senti orgulho desse Movimento, mas nunca havia participado como Escritor. A produção literária promove o conhecimento da cultura negra.

Para mim, os Cadernos Negros chegaram por meio dos textos que li da potente escritora Conceição Evaristo. Ela havia participado de várias Antologias sobre Poesia, e os seus poemas – com foco na cultura afro-brasileira – despertaram em mim vivo interesse. E, claro, com a magnitude e transcendência do conteúdo desenvolvido, fiquei deslumbrado e empolgado, pois sempre escrevi textos, poemas e romances onde a essência principal era a cultura afro-brasileira.

Enviei um e-mail para a produção dos Cadernos Negros e, para minha surpresa, recebi um convite para participar da Edição no. 45 – ano 2024, com as seguintes instruções e informações:

“Em Cadernos, o que se espera é que os autores possam expressar os múltiplos aspectos da experiência afro (as emoções, os desejos, as alegrias, as tristezas, os ideais etc.) e suas diversas faces, como são a superação, as vitórias, as risadas, a beleza, a sensualidade, a ancestralidade, o combate ao racismo. Dor e felicidade fazem parte da vida de todos”.

Sem pestanejar, enviei três poemas que já estavam prontos: “Pretos ou Negros”, “Mundo Mudo” e “Ossos no Porão”. Os dois primeiros poemas citados foram os escolhidos pela Comissão dos Cadernos Negros. Comissão essa detentora de profundo conhecimento sobre a ancestralidade africana.

Em meus poemas exaltei a luta com altivez. Assim como os demais autores e autoras, creio que nossos poemas afro-brasileiros resgatam nossa autoestima. A questão racial, escrita com legitimidade pelo próprio povo negro, demonstra as multifaces da nossa rica cultura. Somos a resistência através – também –  da Literatura.

 

Pretos ou negros

Em caso de socorro,
te conto
nasci homem,
nasci preto,
nasci homem,
nasci negro!
É vão o tronco,
é vivência da memória,
sou o mundo do tempo
com cheiro de história.
Sou filho de um mundo
que nasceu livre,
filho de um mundo
que se tornou sujeito.
Nasci homem,
nasci preto!
Agredido na origem,
fui no vento
deixado no gueto,
na sombra e no silêncio.
Fui a força
no horror das amarras.
Fui escravo.
Sou negro, sou homem,
fui forçado
e escalado.
Nasci preto,
não nasci tonto,
nasci homem!
Mas, como o vento,
levanto poeira,
como a chuva, caio
e sigo forte.
Levanto no topo
encorajado… e sigo.
sou preto,
sou negro!
.

.
Mundo mudo

Onde vive o mundo mudo
Que cala pra mim
Na incerteza de ter ouvido
A linguagem
De um povo
Que grita grita
E pensa ouvir
Mais alto
Um grito surdo
À margem da incerteza de ser ouvido
Trago pela angústia que fica
Onde vivo vive o mundo mudo
Mundo dos moços pretos novos
De pelo que encanta
O desencanto do poder
Com risos amargos inúteis
Cheio de amargura e censura
Usado para pecado
Como cor da fealdade
Onde vivo vive o mundo mudo
Que prioriza uma ração e uma religião
Sufocando o desejo de ser
Ser preto, branco, índio
Pregando o Deus de Ser
Ser papa, padre, pastor
Pai de santo, orixá
Ter fé e ser o que desejar
Num mundo mudo
Acusado, vive e cala
A fala dos mudos
Que vive e fala.

 

 

 

 

Juvenal C. Filho é advogado, gestor cultural, escritor e baiano de Guanambi, BA. Escreve sobre temas que o tocam profundamente. Publicou os seguintes livros: Chana, a Gata; Memórias de Nossas Vidas; Amigos Amantes; Tatu Bola; Vasquinho nosso Camarada; Vivências — Honra e Educação (um Modo de Ser e Viver). Participou das antologias: Nova Literatura Brasileira; Que Toda Palavra Dita ou Escrita Seja Amor; Viver por Amor Morrer, Sarau de Poesia 2020, Bric a Brac 2022, Cadernos Negros no. 45 – ano: 2024 e Me Tirei pra Dançar com + Amigos. Participou das Bienais do Livro do Rio de Janeiro e de São Paulo em diversos anos, com muito boa acolhida. Organiza, desde junho de 2019, bimestralmente em formatos presencial e/ou virtual,  o “Encontro Vespertino de Poesia”, no Rio de Janeiro. Também é Gestor Cultural da Casa “Balaio das Artes”, fundada em 16.03.2024 e destinada a promoção de eventos de Arte, Cultura e Educação.  Em 2025, apresenta ao grande público o livro “Delcio Carvalho  Profissão Compositor”, lançado na Bienal do Livro em Campos/RJ (cidade natal de Delcio Carvalho) em 06.06.2025 e fará também o lançamento deste livro na Bienal do Livro do Rio de Janeiro em 15.06.2025. Este livro foi publicado pela Editora Tocando com Palavras, sediada no Rio de Janeiro. Vendas dos livros através do meu e-mail: juvenaf@gmail.com


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