Xamã de Braxília

“o cerrado se despe e se despede da paisagem brasileira/ uma casca grossa envolve meu coração”. As espécies mortas e as que vão morrer no bioma-savana chamam o poeta que saiu do mato e caiu na maquete. Menino crescido em fazenda perto de Diamantino (MT), Nicolas Behr foi para a capital federal e, entre quadras retas e galhos tortos, plantou palavras no concreto e ergueu Braxília, sua cidade imaginada.
Livros como Iogurte com farinha e Chá com porrada renderam lugar único na chamada Geração Mimeógrafo nos anos 1970. Na década seguinte, ele abraçou o verde e nunca mais o largou. Ajudou a criar o Movimento Ecológico de Brasília, trabalhou na Fundação Pró-Natureza e, a partir do conselho do historiador Paulo Bertran (“Vai, Nicolas, encher o mundo de árvores e flores”), abriu um viveiro que (o) mantém até hoje. Faz do fornecimento de mudas, gramas e sombras o ganha-grana para sobreviver, escrever, semear. Do convívio diário com as plantas e das frequentes incursões pelo Centro-Oeste devastado brotaram versos de lírica insurgência, plenos de desencanto (“ai de mim alecrim/ não te amo mais”), salpicados de ironia (“desmatamento sustentável”), levemente desesperados. “quanto vale o cerrado/ em euros ou erros”, ele pergunta – e o vento nos buritis não sopra a resposta. O canto da seriema e o pio da jaó foram trocados pelo rugido do trator e o silêncio da soja.
Comparado pelo amigo Chico Alvim a “uma espécie de sino que ressoa a realidade”, Nicolas Behr sobe ao campanário e avista o holocausto vegetal: morreu, secou, acabou. Neste EnCerrado, sua poesia arde entre paisagens machucadas e árvores calcinadas, dobradas sobre a própria dor. Leia antes que o deserto seja a única herança, os grãos de areia a saltar no chão onde nada mais germina. Até que restem apenas cinzas e sonhos com águas limpas, verdes veredas, gente gentil. Antes do ponto final.
não tem mais nuvem
o chão seca
nada germina
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só grãos de areia
saltarão da terra morta
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Carlos Marcelo é jornalista, escritor, autor do perfil biográfico Nicolas Behr: eu engoli brasília (Coleção Brasilienses, v. 1, 2004) e de livros como O escutador (Impressões de Minas, 2025).
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Conheça outros trabalhos do Nicolas Behr, aqui.
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