De profundis
1
Encarando o amor
Das n formas de encarar o amor
Fiquemos de frente ou em
Decúbito ventral ou dorsal
(Ano novo é sempre perigoso).
Com um toque manuscrito ou
Autoral, encaremo-lo a valer:
De manhã uns braços de sol
Um golpe de afeto em jejum.
Maçã do amor (nem pensar)
No piquenique das 5h com
A fome tamanho família
Insaciada no lar doce lar:
Um gole de cumplicidade
Uma nuvem embriagada
Um Eros em ziguezague
2
What do you read, my lord?
Diga entre mim e você,
Que bons modos não
Fazem mal a ninguém
À primeira vista, somos
Comuns, familiares e –
Amiúde – boníssimas
A sós, muito acanhadas
Escorregadias e vadias
(Sem duplo sentido!)
E nem precisa ser um
Ruy ou ventríloquo:
Apaixone-se por nós!
Benditas ou malditas
Usadas ou abusadas:
Words, words, words!
3
Perguntas que (nunca) morrem
Se eu parar de poetar,
Posso morrer de poemia?
A morte é a antipoesia
No final das contas?
Se inventar um heterônimo,
Deixo de ser autoral?
Bita de Itanhém é meu
Alter ego ou pseudônimo?
A rigor, todo ex-poeta é
Também um ex-fingidor?
Eu lírico morre comigo
Ou fica pros parentes?
Ficarei encantado (ou
Devo star enganado)?
No sem-fim os poetas
São iguais a haicais?
Poderei semear versos
Tintos e brancos
Para colher ressaca às
Mancheias?
4
As bocas
1
Somos bocas, duas bocetas
Orais e sexuais
Eu falo tu falas ao sabor da uva
Ao toque da úvula
Desbocadas e insaciáveis:
Como se bicam!
E pedem bis: beijo por beijo!
Dente por dente!
Como o pão, dizes o poema
Fodemos a língua
As bocas se calam (stop!)
De repente
As bocas se fundem (smack!)
De profundis
2
Toda manhã, às 5, quero essa boquinha
para viajar de 1ª classe
Pontualmente desejo esse céu de trilhos,
essa via láctea de viravoltas
Boca pequena, sob medida, mas desmedi
damente doce e sensual
Boca diminuta, estaçãozinha 1ª e única do
prazer que adoça e salga
Trenzinho com hora de partida, mas sem
destino, lenço ou bilhete
Ó minha Maria-fumaça movida a vapor
e entrega em domicílio!
Que engole meu trem besta e penetra a
boca da manhã baianeira!
Almir Zarfeg – ou simplesmente A. Zarfeg – é poeta, jornalista e ficcionista. Autor de mais de vinte livros abrangendo os gêneros textuais poema, crônica, conto, novela, romance, infantojuvenil e reportagem. Participa de inúmeras instituições literárias dentro e fora do país. Iniciou-se na literatura em 1991 com o livro de poemas “Água Preta”, atualmente na 5ª edição. Nos 30 anos de sua trajetória literária, celebrados em 2021, ganhou a biografia “Geração AZ”, assinada pelo jornalista Edelvânio Pinheiro. Premiado e celebrado, seu nome virou verbete de dicionários e enciclopédias de literatura, como o “Dicionário de Escritores Contemporâneos da Bahia” e a “Enciclopédia de Artistas Contemporâneos Lusófonos”. Em 2017, recebeu o título de “Personalidade de Importância Cultural” da União Baiana de Escritores (UBESC). Em 2018, ganhou o Primeiro Prêmio Absoluto na Itália pela obra poética inédita “A Nuvem”, que segue sem publicação. Em 2019, organizou a antologia “NÓS – Poesias para tardes ensolaradas”, a convite da Lura Editorial. Em 2022, teve a obra poética “1966” incluída na Coleção Flores do Caos editada pelo Selo Starling. Em 2023, obteve a 1ª colocação no Prêmio Stella Leonardos de Poesia – concedido pela Academia Carioca de Letras (ACL). Zarfeg é presidente de honra da Academia Teixeirense de Letras (ATL).
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