Silêncio vítreo
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Perfurações
I.
na lage as zungueirasrosas correm com uma cana-de-açúcar
em protesto contra o hálito aceso
— é no silêncio do hálito onde arrebatamos
os lírios vermelhos— pensam,
lírios consanguíneos— precisamos conservar a lavra—
acrescentam uma às outras.
na lage as zungueirasrosas protestam
……………….setenta vezes sete
contra a vulva ilícita inútil
…………………………diamantífera?
II.
de longe as giestas tocando as criações dos taludes
transformam as tábuas presas no interior
do átomo em válvulas cortantes
……válvulas estremecendo no selo
…………………a língua vociferada
ou a maçã violentada só até ao joelho esquerdo
ou a rizla embebida de urânio:
— vulha nos ensinando que as giestas
tocando o leme inventam o mar
***
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Primeira Sabedoria Elíptica
deixo-vos como fissura o meu silêncio vítreo
para que possam ler, em mim,
as criações sedimentares
do hálito embevecido de Machituca:
“corra— corra que as velas acesas
rompem nos lugares as sondagens”,
disseram. deixo-vos no lugar da Cona
um resquício de Deus
para que mudos
gesticulem às imagens uma cobra
agudíssima
uma pedra restituída da paixão.
deixo-vos inertes como se de súbito
a minha cabeça de Machituca
gesticulasse
as bandeiras
e as perfurações fulminantes do espelho
e a dança ainda é um soluço aberto
— enquanto a musa dançar o espanto
sempre será frenético
como se víssemos a Machituca acesa
ou como se dançássemos iludidos
flauta carnes terríficas tentáculos viventes
há nos animais bifurcações
curvando-se diante da Machituca:
— ninguém soletra sem bocejar—
tudo delira para o espanto das estações.
é na mesa das folhagens
que renunciamos a inércia,
a virgindade com que levitamos a podridão das árvores
a lentidão do nervo níveo
e a dança ainda é um soluço aberto
— a morte como saco de serapilheira delira
no recanto da luz?
deixo-vos os perímetros líricos das ervas viscerais da flauta
e dos aplausos da embriaguez embrionária
deixo-vos a espada restituída
ardendo nos orifícios felinos
as espadas soçobram as vozes
restituídas
com as chaves sanguessugas espantadas
pelos gritos restituídos:
em frente do Mutundo existe uma carroçasangue
com o propósito
de,
com os fragmentos das criações, somos
chamados a bater
no sangue as mímicas minúcias do sono
as dores de passar num só salto
a longuíssima caridade do meme
e a dança ainda é um soluço aberto
— sucumbir atravessar com palavras
……………………………………….espelho-cona
“estou cansado,
diz aos senhores da fila que o Sistema caiu”
diz o funcionário público
“não façam isso, meus senhores,
preciso pagar a taxa de circulação,
descobriram mais um buraco próximo à rotunda”
“o Sistema caiu o Sistema caiu o Sistema caiu”
“Chipindo embora tenha ouro
é distante
Jamba embora tenha diamante
é distante,
Calumbiro tem muita poeira
é longe” recita para si o senhor de óculos
que espera há mais de cinco horas para ser atendido
e a dança ainda é um soluço aberto
— vieram as crias fósforos
para incendiar
nêspera
de que se foge
no nervo
a phala. há em ti
pomares
resiliência do eco?
não pude como é natural às divindades
gritar muito alto: que inveja do Beco 2
que bafo dos arrabaldes
à mostra nos castiçais da palavra tridentes ásperos chifres:
sou poro fundente disponho da sinceridade a paisagem
os arcos rebarbativos da casa,
da sede, do cavalo. tenho em mim as bífidas
tarefas carnes filiações. sou o eco filial do sticker.
— de que somos salvos senão dos stickers?—
um sticker repetido esbanja as sinopses de Machituca
somos levados a pensar que a perfuração dos espelhos
levita dentro da Machituca as cidades mais devagar
e as zungueirasrosas ainda se resignam
levantando a cana-de-açúcar
na lage nas máquinas nos rios sais silício silicones
o que fazer para travá-las?
— latir latir latir e sonhar tudo o que se tem para sonhar
com a pata levantada
porque o que se inventa
espanta
às vísceras o envelope
de engenheiro
que balança
que escuta
que dorme
com as cicatrizes
fotogénicas
o engenheiro:
“Chipindo embora tenha ouro
é distante
Jamba embora tenha diamante
é distante,
Calumbiro tem muita poeira
é longe”
e a dança ainda é um soluço aberto
e das giestas prontas para não sei o quê de demoníaco
deixo-vos as árvores entoando a impureza do macau
para que os estrondos fulminem rosa
um cavalo mais centrífugo
uma aceitação com as chaves juvenis
deixo-vos a urgência cilíndrica a cilíndrica urgência
no sopro nas primeiras fragilidades das águas:
vieram de noite pelo rio Kakuluvar
para que te inventassem
mirangolo astuto água aviva
o que nas zungueirasrosas soletram de cor o número de Euler
como astúcia íngreme vieram de noite a recitar:
“Chipindo embora tenha ouro
é distante
Jamba embora tenha diamante
é distante,
Calumbiro tem muita poeira
é longe”
e fizeste silêncio fizeste silêncio
reconhecendo a cona
que balança
que escuta à sombra da morte
vasos. há em ti
visões vislumbrando o leme
e o silicone roendo nas planícies monstros
que mesclam a cria que já não te suporta
porque inflamas muito alto
com a cabeça inclinada: terás
da boca os contornos repletos de chifres
para que te lembrem as cavernas deusificações
pétalas pessoalíssimas gargantas deusificadas
e com a fidelidade do consolo planetário— saberás:
o que aspira morte aspira cona vieram de noite
como fronhas
e tiveste a certeza de que
a poesia
…………é a dança frívola
…………………….da Machituca
***
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Cartazes
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está
um não-ser de nome Almah na minha cabeça
ela levita-se esboçando
na matéria as larvas peremptórias:
bolhas pedras películas. estende-se
erecta
nos becos nos encontros
dos jazigos como se tivesse coberta
de todas as coisas filiais. tenho-a helénica
herbário com que silenciam
o espaço
do lume. está
um não-ser dentro dos meus poros
se toco um corpo aurífero:
pedras películas bolhas
transfiguram,
em mim,
o centro da phala.
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Jumbo Estelar
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ouvi dizer que o mercúrio transforma tudo em papel
já me sinto acariciado até aos tendões
pela esferográfica luminária: barbitúricos
para este velhinho citotex para esta putinha evangélica
e sair por aí com as entranhas à mostra
e dizer muito alto
com a mesma urgência com que um mendigo
tem de defecar:
— casar é preciso perguntar—
e nos assentos fulminantes da espiga
imaginar os poros brancos cheios
e ter os dentes partidos como luxo fosforescente
e ter o cú aberto como sinal de poder da kwanana
e ter-te sôfrega para soluço arterial:
nada do que se esgota flagela
a máquina— saberás
quando transformado pelo mercúrio
até resignares os solstícios saltéricos
como quem longamente soletra o vulcão
e as orlas como seres uivantes
aspiram a soltura das crias
resplandecentes
dentro do mercúrio transformado
pelo papel restituído súbito
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Reparações
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porque tens de arrancar a cona do espelho
…………………………………………………soluças
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Amário da Silva A. Alberto, nasceu na Huíla, Angola. É poeta. Licenciado em Engenharia de Minas pela Universidade Mandume ya Ndemufayo. Tem textos publicados na Palavra&Arte. Participou de uma antologia de poesia em Portugal. E-mail: amarioalberto19@gmail.com
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