Espantapájaros


3 TEXTOS DE ESPANTAPÁJAROS, DE OLIVERIO GIRONDO (1891-1967)

 

A obra Espantapájaros (Al alcance de todos), publicada em 1932, é composta por um caligrama, que abre o livro, e por 24 textos (numerados de 1 a 24), sendo apenas um deles escrito em versos, o de número 12, aqui traduzido.

Assim como em Veinte poemas para ser leídos en un tranvía, de 1922, em que se leem vários poemas em prosa, Oliverio Girondo, em Espantapájaros, volta a utilizar esse formato, sempre com o mesmo humor e a mesma mestria.

Enquanto não terminamos de traduzir todo o Espantapájaros, escolhemos apresentar esses três textos por acreditarmos estarem eles entre os mais bem realizados e mais representativos do livro.

 

 

1

 

No se me importa un pito que las mujeres tengan los senos como magnolias o como pasas de higo; un cutis de durazno o de papel de lija. Le doy una importancia igual a cero, al hecho de que amanezcan con un aliento afrodisíaco o con un aliento insecticida. Soy perfectamente capaz de soportarles una nariz que sacaría el primer premio en una exposición de zanahorias; ¡pero eso si! –y en esto soy irreductible– no les perdono, bajo ningún pretexto, que no sepan volar. Si saben volar! pierden el tiempo las que pretendan seducirme!

Ésta fue –y no otra– la razón de que me enamorase, tan locamente, de María Luisa.

¿Qué me importaban sus labios por entregas y sus encelos sulfurosos? ¿Qué importaban sus extremidades de palmípedo y sus miradas de pronóstico reservado?

¡María Luisa era una verdadera pluma!

Desde el amanecer volaba del dormitorio a la cocina, volaba del comedor a la despensa. Volando me preparaba el baño, la camisa. Volando realizaba sus compras, sus quehaceres.

iCon qué impaciencia yo esperaba que volviese, volando, de algún paseo por los alrededores! Allí lejos, perdido entre las nubes, un puntito rosado. “María Luisa! ¡María Luisa!”… y a los pocos segundos, ya me abrazaba con sus pieras de pluma, para llevarme, volando, a cualquier parte.

Durante kilómetros de silencio planeábamos una caricia que nos aproximaba al paraíso; durante horas enteras nos anidábamos en una nube, como dos ángeles, y de repente, en tirabuzón, en hoja muerta, el aterrizaje forzoso de un espasmo

¡Qué delicia la de tener una mujer tan ligera…, aunque nos haga ver, de vez en cuando, las estrellas! ¡Qué voluptuosidad la de pasarse los días entre las nubes… la de pasarse las noches de un solo vuelo!

Después de conocer una mujer etérea, ¿puede brindarnos alguna clase de atractivos una mujer terrestre? ¿Verdad que no hay una diferencia sustancial entre vivir con una vaca o con una mujer que tenga las nalgas a setenta y ocho centímetros del suelo?

Yo, por lo menos, soy incapaz de comprender la seducción de una mujem pedestre, y por más empeño que ponga en concebirlo, no me es posible ni tan siquiera imaginar que pueda hacerse el amor más que volando.

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1

 

Estou me lixando para as mulheres que tenham seios como magnólias ou como passas de figo; uma pele de pêssego ou de lixa. Dou importância igual a zero ao fato de que amanheçam com hálito afrodisíaco ou com hálito de inseticida. Sou perfeitamente capaz de suportar um nariz que tiraria o primeiro prêmio numa exposição de cenouras; mas nisso, sim, nisso sou irredutível!, não perdoo, sob nenhum pretexto, aquelas que não sabem voar. Se não sabem voar, perdem tempo as que tentam me seduzir!

Esta foi – e nenhuma outra – a razão pela qual me apaixonei, tão loucamente, por María Luisa.

Que me importavam seus lábios em parcelas e seus ciúmes sulfurosos? Que me importavam suas extremidades membranosas e seus olhares de prognóstico cauteloso? María Luisa era uma verdadeira pluma!

Desde o amanhecer, ela voava do quarto até a cozinha, voava da sala de jantar à despensa. Voando, me preparava o banho, a camisa. Voando, fazia as compras, suas tarefas.

Com que impaciência eu esperava que ela voltasse, voando, de algum passeio pelas vizinhanças! Lá, ao longe, perdido entre as nuvens, um pontinho rosa. “María Luisa!  María Luisa!”… e, em poucos segundos, já me abraçava com suas pernas de pluma, para me levar, voando, a toda parte.

Durante quilômetros de silêncio, planejávamos uma carícia que nos aproximava do paraíso; durante horas inteiras, nos aninhávamos numa nuvem, como dois anjos, e, de repente, num salto em caracol, numa folha morta, a aterrissagem forçada de um espasmo.

Que delícia ter uma mlher tão leve…, mesmo que isso nos faça ver, de vez em quando, as estrelas! Que voluptuosidade passar os dias entre as nuvens… passar as noites sempre a voar!

Depois de conhecer uma mulher etérea, que espécie de atrativo pode ter uma mulher terrestre? Não existe mesmo uma diferença substancial entre viver com uma vaca ou com uma mulher que tenha as nádegas a setenta e oito centímetros do solo?

Eu, pelo menos, sou incapaz de compreender a sedução de uma mulher pedestre, e, por mais esforço que eu faça para entender, não me é possível sequer imaginar que se possa fazer amor a não ser voando.

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4

 

Abandoné las carambolas por el calambur, los madrigales por los mamboretás, los entreveros por los entretelones, los invertidos por los invertebrados. Dejé la sociabilidad a causa de los sociólogos, de los solistas, de los sodomitas, de los solitarios. No quise saber nada con los prostáticos. Preferi el sublimado a lo sublime. Lo edificante a lo edificado. Mi repulsión hacia los parentescos me hizo eludir los padrinazgos, los padre-nuestros. Conjuré las conjuraciones más concomi tantes con las conjugaciones conyugales. Fui célibe, con el mismo amor propio con que hubiese sido paraguas. A pesar de mis predilecciones, tuve que distan- ciarme de los contrabandistas y de los contrabajos; pero intimé, en cambio, con la flagelación, con los flamencos.

Lo irreductible me sedujo un instante. Crei, con una buena fe de voluntario, en la mineralogia y en los minotauros. ¿Por qué razón los mitos no repoblarian la aridez de nuestras circunvoluciones? Durante varios siglos, la felicidad, la fecundidad, la filosofia, la fortuna, ¿no se hospedaron en una piedra?

¡Mi ineptitud llegó a confundir a un coronel con un termómetro! Renuncié a las sociedades de beneficencia, a los ejercicios respiratorios, a la franela. Aprendi de memoria el horario de los trenes que no tomaría nunca. Poco a poco me sedujeron el recato y el bacalao. No consentí ninguna concomitancia con la concupiscencia, con la constipación. Fui metodista, malabarista, monogamista. Amé las contradicciones, las contrariedades, los contrasentidos… y caí en el gatismo, con una violencia de gatillo.

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4

 

Abandonei as carambolas pelo calembur, os louvores pelos louva-a-deus, os entreveros pelos entrepostos, os invertidos pelos invertebrados. Deixei a sociabilidade por causa dos sociólogos, dos solistas, dos sodomitas, dos solitários. Eu não queria saber das próstatas. Preferi o sublimado ao sublime. O edificante ao edificado. Minha repulsa pelos parentescos me fez evitar os apadrinhados, os padre-nossos. Conjurei as conjugações mais concomitantes com as conjugações conjugais. Fui celibatário, com o mesmo amor-próprio com que eu teria sido um guarda-chuva. Apesar das minhas predileções, tive que me distanciar de contrabandistas e de contrabaixos; mas, em vez disso, me fiz íntimo da flagelação, dos flamingos.

O irredutível, por um instante, me seduziu. Acreditei, com a boa fé de um voluntário, na mineralogia e nos minotauros. Por que razão os mitos não repovoariam a aridez de nossas circunvoluções? Durante vários séculos, a felicidade, a fertilidade, a filosofia, a fortuna, não se hospedaram numa pedra?

Minha inépcia chegou a confundir um coronel com um termômetro!

Renunciei às sociedades de beneficência, aos exercícios respiratórios, à flanela.  Aprendi de memória os horários dos trens que eu jamais tomaria. Aos poucos, me seduziram o recato e o bacalhau. Não consenti nenhuma coincidência com a concupiscência, com a constipação. Fui metodista, malabarista, monogamista. Amei as contradições, as contrariedades, os contrassensos… e caí no gatismo com uma violência de gatilho.

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12

 

Se miran, se presienten, se desean,

se acarician, se besan, se desnudan,

se respiran, se acuestan, se olfatean,

se penetran, se chupan, se demudan,

se adormecen, despiertan, se iluminan,

se codician, se palpan, se fascinan,

se mastican, se gustan, se babean,

se confunden, se acoplan, se disgregan,

se aletargan, fallecen, se reintegran,

se distienden, se enarcan, se menean,

se retuercen, se estiran, se caldean,

se estrangulan, se aprietan, se estremecen,

se tantean, se juntan, desfallecen,

se repelen, se enervan, se apetecen,

se agazapan, se apresan, se dislocan,

se perforan, se incrustan, se acribillan,

se remachan, se injertan, se atornillan,

se desmayan, reviven, resplandecen,

se contemplan, se inflaman, se enloquecen,

se derriten, se sueldan, se calcinan,

se desgarran, se muerden, se asesinan,

resucitan, se buscan, se refriegan,

se rehúyen, se evaden y se entregan.

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12

 

Olham-se, apresentam-se, desejam-se,

acariciam-se, beijam-se, despem-se,

respiram-se, deitam-se, se farejam,

penetram-se, chupam-se, se desgrudam,

adormecem, despertam, se iluminam,

se cobiçam, se tocam, se fascinam,

mastigam-se, degustam-se, se babam,

confundem-se, acasalam, desintegram-se,

prostram-se, falecem, se reintegram,

distendem-se, arqueiam-se, meneiam,

se retorcem, esticam-se, se aquecem,

estrangulam-se, apertam-se, tremem,

tateiam-se, juntam-se, desfalecem,

repelem-se, irritam-se, se querem,

atacam-se, agarram-se, se batem,

agacham-se, prendem-se, se deslocam,

perfuram-se, encravam-se, se crivam,

se pregam, se enxertam, se parafusam,

se desmaiam, revivem, resplandecem,

contemplam-se, se inflamam, enlouquecem,

derretem-se, soldam-se, se calcinam,

dilaceram-se, mordem-se, se matam,

ressuscitam, procuram-se, discutem,

evitam-se, evadem-se, se entregam.

 

 

 

 

 

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Paulo de Toledo é mestre e doutor em Literatura Brasileira pela FFLCH-USP. Poeta, publicou os seguintes livros: Torrão e outros poemas (Ed. Patuá, 2018), Concreróticos e Outros Versos (Dulcinéia Catadora, 2012), A Rubrica do Inventor (Ed. Multifoco, RJ, 2011), Hi-Kretos e Outras Abstrações (Sereia Ca(n)tadora, 2011) e 51 Mendicantos (Ed. Éblis, 2007; Ed. Amotape, 2013). Participou também dos livros Musa fugidia (Ed. Moinhos, 2017), VAIEVEM (Binóculo Editora, 2011) e LulaLivre*LulaLivro (Fundação Perseu Abramo, 2018). Colaborou com poemas, traduções, contos e ensaios para: Revista Babel, Meteöro, Cult, Revista Ciência & Cultura – SBPC, Coyote, Artéria, Revista Opiniães, Musa Rara, InComunidade, Correio das Artes, Suplemento Cultural de Santa Catarina, entre outros. E-mail: paulodtoledo@uol.com.br




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