Musique nègre
TRAIÇÃO
O coração viciado, que não se molda
À minha língua ou aos meus trajes,
Sobre o qual penduram como à corda,
Sentimentos e costumes que tu trazes
Da Europa, notaste a desesperança
E esse sofrimento sem igual
De aprisionar, com palavras da França,
O coração que me chegou do Senegal?
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Trahison
Ce coeur obsédant, qui ne correspond/Pas à mon langage ou à mês costume,/Et sur lequel mordent, comme um crampon,/Des sentiments d’emprunt et des coutumes/D’Europe, sentez-vous cette souffrance/Et ce désespoir à nul autre égal/D’apprivoiser, avec des mots de France,/Ce coeur qui m’est venu du Senegal?
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CANIBAL
O desejo selvagem, o ardor,
De misturar o sangue e as feridas
Aos gestos e caretas do Amor
E de achar, debaixo das mordidas
Que perpetuam o sabor dos beijos,
Os soluços da amante e os seus ais…
Ah! rudes e intranqüilos desejos
de meus antepassados canibais…
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Cannibale
Ce désir sauvage, certain jour,/De mêler du sang et des blessures/Aux gestes contractés de l’Amour/Et de percevoir, sous les morsures/Qui perpétuent le goût des baisers,/Les sanglots de l’amante, et ses râles…/Ah! Rudes désirs inapaisés/De mês noirs ancêtres canibales…
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SILHUETA
A dama que vem de Rotterdam,
Para Cannes em passeios sazonais
Sonha, contando os passos no chão,
Com as Antilhas, seus canaviais,
Com sua prima Ruth, crioula
Que fala ainda hoje, tão nostálgica,
Do dia em que provou da papoula
De um mulato lá da Martinica.
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Silhouette
La dame qui vient de Rotterdam,/En route pour sa saison à Cannes,/Songe, em arpentant le madadam,/Aux Antilles, à ses champs de cannes,/À sa cousine créole Ruth/Qui parle encor de ce pique-nique/Où ses chairs éprouvèrent le rut/D’un mulâtre de la Martinique.
JAZZ
O do trombone vem de Honolulu,
de Barbada, vem o do saxofone,
e o mulatão com nariz de chuchu
que trejeita uma cantiga bufona,
Saiu certa noite de Porto da Paz.
“Mas com qual dos três, ela assunta,
(Todos três têm topete sagaz!)
Se pergunta a fogosa prostituta,
Com quem encontrarei meu remédio,
para não ter uma noite de tédio?”
Jazz
Le trombone vient d’Honolulu,/De la Barbade, le saxophone,/Et le grand mulâtre au nez poilu/Qui grimace une chanson bouffonne,/Un soir, s’est enfui de Port-de-Paix.//« Mais avec qui des trois, se demande,/(Tous les trois ont de crépus toupets !)/Se demande la putain flamande,/Avec qui passerai-je ma nuit,/pour n’avoir pas une nuit d’ennui » ?
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Léon Laleau (1892 – 1979) homem de letras e diplomata é citado como um dos melhores escritores do Haiti. Por habitar uma zona periférica da língua francesa, sua obra é ainda pouco conhecida. Os 3 poemas aqui reunidos aparecem na famosa Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de langue française, organizada por Léopold Sedar Senghor.
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Leonardo Gonçalves (1975) poeta belorizontino, autor de das infimidades (in vento, 2004) e WTC Babel S. A. (Barbárie, 2008). Escreve habitualmente no www.salamalandro.redezero.org E-mail: leogonsalves@gmail.com
5 março, 2012 as 15:28
19 maio, 2012 as 0:29
2 julho, 2012 as 16:36