13 poemas chineses celestiais
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A Dinastia Tang (618-915) é considerada o auge da cultura clássica chinesa. Foram aproximadamente 300 anos de uma sociedade caracterizada por uma vida urbana intelectual e esteticamente sofisticada. A produção poética do período surpreende pela quantidade e qualidade. A popular antologia Poemas completos da Dinastia Tang, compilada posteriormente, no século XVII (Dinastia Qing), por ordem imperial, contém aproximadamente 50 mil poemas, escritos por 2.200 autores, dentre os quais estão 190 mulheres – uma importante tradição feminina sempre existiu na poesia chinesa.
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Dentre os nomes mais notáveis desse período de ouro da literatura universal, citam-se sempre Li Bai (Li Po), o grande mestre taoísta da poesia chinesa, e Wang Wei, um dos artistas mais completos de seu tempo – poeta e pintor de renome, mestre budista chan (zen). Na tradição feminina, destaca-se Yu Xuanji, monja taoísta e cortesã. Os textos a seguir, desses autores, são exemplos de um tipo bastante praticado no período: poemas que desenvolvem o imaginário e o ambiente mitológico celestial e de elevação pela meditação em meio à natureza, relativos às tradições religiosas taoísta e budista.
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As traduções de Li Bai e Wang Wei abaixo estão entre as que integrarão antologia de poesia da Dinastia Tang que estamos preparando. Os poemas de Yu Xuanji foram já publicados em 2011, pela UNESP, na edição bilingue Poesia Completa de Yu Xuanji – traduções, prefácio e notas realizados por nós.
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Bom proveito, e feliz ano do dragão.
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Ricardo Portugal e Tan Xiao.
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Li Bai
No Templo do Cimo
a noite passar no Templo do Cimo
elevar a mão carícia de estrelas
mas baixar a voz não fazer ruído
temer perturbar os seres celestes
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夜宿山寺
危楼高百尺
手可摘星辰
不敢高声语
恐惊天上人
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Resposta na montanha
Por que razão morar nestas verdes montanhas
responde só o sorriso o coração sereno
A flor do pessegueiro cai as águas seguem
entrando a um outro mundo além do meio humano
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山中问答
问余何意栖碧山
笑而不答心自闲
桃花流水窅然去
别有天地非人间
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[Em homenagem Yang Guifei (lê-se Iân Gueifêi), lendária beleza, concubina do Imperador Xuanzong]
as vestes como nuvens pétalas as faces
que a brisa na varanda afaga ao orvalho vítreo
se ao elevado cimo em jade não é vista
ressurge sob a lua em celestes terraços
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云想衣裳花想容
春风拂槛露华浓
若非群玉山头见
会向瑶台月下逢
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Wang Wei
O retiro dos cervos
vazia a montanha ninguém se vê
entanto rumores vozes se ouvem
torna a luz poente até o bosque denso
ainda ilumina o musgo verde sobre
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鹿柴
空山不见人
但闻人语响
返景入深林
复照青苔上
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O Monte Zhongnan
obra suprema imitação celeste
cidade aberta entre montanhas mares
as nuvens brancas fecham-se ao olhar
cintilações em verde se dispersam
revolve o pico ao centro aparta estrelas
escuro-claros se desdobram vales
descer e a noite passar entre os homens
ao rio perguntar onde ao lenhador
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终南山
太乙近天都
连山到海隅
白云回望合
青霭入看无
分野中峰变
阴晴众壑殊
欲投人处宿
隔水问樵夫
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Na montanha
Riacho Jing as pedras surgem brancas
escassas folhas rubras num céu frio
Chuva não houve à trilha da montanha
molhando as roupas o verde vazio
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山中
荆溪白石出
天寒红叶稀
山路元无雨
空翠湿人衣
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Passando pelo Templo do Perfume Oculto
desconhecido conservou-se o templo
por entre nuvens oculto o perfume
ao bosque antigo resta trilha alguma
aonde o sino à alta profundeza
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rumor de fonte eretas rochas choro
frescor o sol entre os pinheiros cores
a tarde curva-se ao vazio no tanque
domou-se um dragão venenoso ao Chan*
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*Chan é o nome, em chinês, da corrente Zen do budismo.
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过香积寺
不知香积寺
数里入云峰
古木无人径
深山何处钟
泉听咽危石
日色冷青松
薄暮空潭曲
安禅制毒龙
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A ermida dos bambus
sentar-se ao oco só entre os bambus
assobiando ao toque do alaúde
na densa oca ao bosque desterrar-se
então a lua é vinda: iluminar
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竹里馆
独坐幽篁里,
弹琴复长啸。
深林人不知,
明月来相照。
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YU XUANJI
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O Templo Zifu, fundado pelo eremita Ren
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Ergueu o templo um homem solitário
e hoje é descanso a viajantes – pouso –
Deixam seus nomes vãos à porta, ao lótus
deitam-se escritos nas paredes brancas
As águas correm para o velho tanque
A relva próxima ao caminho brota
Cem pés é alto o pavilhão de ouro
e em frente ao rio, todo brilho, claro
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题任处士创资福寺
幽人创奇境,
游客驻行程。
粉壁空留字,
莲宫未有名。
凿池泉自出,
开径草重生。
百尺金轮阁,
当川豁眼明。
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Resposta a um poema
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A instável, viva multidão vermelho-púrpura,
e ao sol, serena solidão: o meu poema
Nenhum desejo – a breve fama, o amor urgente
Da fortaleza nasce um canto, ao mais profundo
Agradecida, à simples clara flor inclino-me
Viver reclusa e só, entregue a esta procura
é todo encontro superar em amor mais puro
como elevar-se entre montanhas basta ao pínus
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和人次韵
喧喧朱紫杂人寰,
独自清吟日色间。
何事玉郎搜藻思,
忽将琼韵扣柴关。
白花发咏惭称谢,
僻巷深居谬学颜。
不用多情欲相见,
松萝高处是前山。
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A partir de poema de um recém-aprovado
candidato ao serviço público, em luto
pela morte de sua mulher
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(I)
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Aos imortais perdem-se as coisas deste mundo
Outonos passam como apenas um momento
Fica às cobertas o calor do amor recente
Do papagaio à jaula o eco ainda circunda
O orvalho cobre as flores, rostos que se velam
O vento verga em sobrancelhas os chorões
Nuvens dissipam-se entre cores, tornam à sombra
Pan Yue1 lamenta e seu cabelo acolhe a neve
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1 Pan Yue (247-300) foi um poeta da Dinastia Jin (265-316, Jin do
Oeste) famoso por sua beleza e pela poesia de luto e melancolia.
Seus “Três poemas para minha esposa morta” são particularmente
aclamados. Sobre ele se diz que, quando da morte da esposa, seu
cabelo tornou-se branco da noite para o dia. Sua história pessoal é
associada ao amor inconsolável diante da morte e entregue a um luto
infindável – em Yu Xuanji, há um sentido de entrada na imortalidade
pelo luto, que projetaria o amor para além “desta” vida.
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和新及第悼亡诗二首
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(一)
仙籍人间不久留,
片时已过十经秋。
鸳鸯帐下香犹暖,
鹦鹉笼中语未休。
朝露缀花如脸恨,
晚风欹柳似眉愁。
彩云一去无消息,
潘岳多情欲白头。
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Uma alegoria
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A primavera às flores de pêssego espalha-se
Em todo pátio à lua cintilam os salgueiros
Cá em cima estou, no quarto, perfeita a maquiagem
recém-vestida, à espera da noite, o silêncio
Ao lago sob as flores de lótus os peixes
Em volta do arco-íris revoam pardais
Tudo nesta vida é sonho, alegria ou pena
vêm-nos aos pares. Possa eu por fim acordar
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寓言
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红桃处处春色,
碧柳家家月明。
楼上新妆待夜,
闺中独坐含情。
芙蓉月下鱼戏,
螮蝀天边雀声。
人世悲欢一梦,
如何得作双成。
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Inscrito em um pavilhão em meio à neblina
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As flores na primavera, a lua de outono
entram à poesia. Nos claros dias e noites
habitam os deuses. Subo as cortinas, mantenho-as
todas abertas: a cama encare as montanhas.
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题隐雾亭
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春花秋月入诗篇,
白日清宵是散仙。
空卷珠帘不曾下,
长移一榻对山眠。
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Ricardo Primo Portugal é escritor e diplomata, graduado em Letras pela UFRGS. Está completando sete anos vivendo e trabalhando na China, primeiro em Pequim, depois em Xangai e, a partir de 2010, em Cantão (Guangzhou). Publicou: DePassagens (Ameop, 2004), Arte do risco (SMCPA, 1992), entre outros. Foi co-organizador da edição bilíngue chinês-português Antologia poética de Mário Quintana (EDIPUCRS, 2007), primeiro livro de poeta brasileiro traduzido para o chinês, com o apoio do Consulado Geral do Brasil em Xangai. Em junho de 2011, saiu, pela UNESP, Poesia completa de Yu Xuanji, edição bilíngue da obra da poetisa clássica chinesa (Dinastia Tang), com traduções suas, em parceria com a esposa, Tan Xiao, primeira obra completa de poeta daquele país editada no Brasil, traduzida diretamente do original chinês. (ver: http://www.editoraunesp.com.br/catalogo-detalhe.asp?ctl_id=1267). No final de 2011 publica, pela editora 7 Letras, [Zero a Sem], haicais (ver: https://www.7letras.com.br/zero-a-sem.html). E-mail: ricardo.pportugal@yahoo.com
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Tan Xiao é graduada em Letras, com ênfase em língua inglesa e ensino das línguas inglesa e chinesa pela Universidade Zhong Nan, Changsha, Hunan, República Popular da China. Estudou português na UnB. Foi intérprete e tradutora português-chinês da Embaixada do Brasil em Pequim e trabalhou no escritório brasiliense da empresa Huawei. Atualmente, faz o mestrado em linguística na Universidade de Línguas Estrangeiras de Guangdong (“Guang Wai”, 广外).
30 janeiro, 2012 as 20:45
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