Poesia Clássica Chinesa
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No final de julho de 2013, a Unesp publicou a Antologia da Poesia Clássica Chinesa – Dinastia Tang, com organização, traduções, introdução e notas de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao, em primorosa edição bilingue chinês-português. Esse livro é, muito possivelmente, a mais abrangente obra do gênero já editada em língua portuguesa, contendo mais de 200 poemas, mais de 30 autores, a grande maioria dos quais nunca antes vertidos para nosso idioma. A introdução aborda a história da Dinastia Tang e da literatura do período; tópicos de teoria literária, como uma descrição estrutural do poema clássico chinês, e da teoria da tradução. Há ainda resenhas biográficas e críticas dos autores, e notas explicativas de rodapé. Enfim, o resultado desta nossa segunda parceria com a editora da Unesp – a primeira foi Poesia Completa de Yu Xuanji, de 2011 – superou nossas melhores expectativas. A seguir, colocamos uma pequena mostra, selecionada a partir dos poemas de sete mestres da Dinastia Tang – Li Bai, Wang Wei, Meng Haoran, Bai Juyi, Wen Tingyun, Liu Yuxi e Du Mu. Bom proveito.
Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao
– Li Bai
秋浦歌
白发三千丈
缘愁似个长
不知明镜里
何处得秋霜
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Canção do Lago Qiupu
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cabelos brancos mais de mil novelos
tristezas igualmente longas dores
saber de onde veio ao claro espelho
o fino gelo este lugar de outono
送友人
青山横北郭
白水绕东城
此地一为别
孤蓬万里征
浮云游子意
落日故人情
挥手自兹去
萧萧班马鸣
À despedida de um amigo
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Montanha verde ao norte da muralha
e um claro rio contorna a vila a leste:
eis o lugar enfim de separar-se
Mil milhas cruza a órfã errante erva
nuvens viajam mudam vagam ânimos
Ao sol poente adeus velhos amigos
agitam mãos distantes outro instante
cavalos partem ríspidos nitridos
– Wang Wei
鸟鸣涧
人闲桂花落
夜静春山空
月出惊山鸟
时鸣春涧中
A cascata dos pássaros
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quietude caem as flores da canela
à noite pousam a montanha cala
súbito aponta a lua – a primavera
desperta em brados pássaros cascata
酬张少府
晚年惟好静
万事不关心
自顾无长策
空知返旧林
松风吹解带
山月照弹琴
君问穷通理
渔歌入浦深
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Em resposta a poema do Conselheiro Zhang
tardia idade agrada esta quietude
já mil assuntos passam não preocupam
chegou-se ao fim inútil insistir
antes voltar a esta floresta antiga
vento aos pinheiros sopra e afrouxa o cinto
a lua ao monte brilha para a harpa
perguntas qual a mais alta verdade:
canto de pescador entrando ao rio
– Meng Haoran
秋宵月下有怀
秋空明月悬
光彩露沾湿
惊鹊栖未定
飞萤卷帘入
庭槐寒影疏
邻杵夜声急
佳期旷何许
望望空伫立
Contemplação da lua em noite de outono
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Lua de outono brilha ao céu vazio
incandescência na gota de orvalho
Acomodaram-se em algazarra as gralhas
do frio vêm vagalumes às cortinas
No pátio às árvores esparsas sombras
este pilão na casa ao lado soa
Como saber do tempo à hora vasta
o persistente nada olhar olhar
– Bai Juyi
池上 之一
山僧对棋坐
局上竹阴清
映竹无人见
时闻下子声
No lago (I)
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dois monges da montanha frente a frente
jogam xadrez entre os bambus a sombra
entre os bambus frescor ninguém se vê
por vezes ouve-se uma peça move
岭上云
岭上白云朝未散
田中青麦旱将枯
自生自灭成何事
能逐东风作雨无
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Nuvem no alto da montanha
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Manhã, flutua ao pico intacta a branca nuvem;
no campo, o verde trigo cedo estará seco.
A vida vive, à morte segue, e o que consegue?
Só pode ao vento leste ir e dar-se à chuva.
– Wen Tingyun
清凉寺
黄花红树谢芳蹊
宫殿参差黛巘西
诗閤晓窗藏雪岭
画堂秋水接蓝溪
松飘晚吹摐金铎
竹荫寒苔上石梯
妙迹奇名竟何在
下方烟暝草萋萋
O Templo do Límpido Frescor
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Na aleia flores amarelas folhas rubras
palácios se derramam a oeste das colinas
Poesia e brilho encontram a neve sobre os picos
salões e águas outonais em cores juntam-se
À tarde o odor de pinho ao vento o bronze aos sinos
à sombra de bambus o musgo em frios degraus
Dos grandes feitos onde os nomes se assinalam
só a grama farta avista-se à névoa imprecisa
– Liu Yuxi
秋风引
何处秋风至
萧萧送雁群
朝来入庭树
孤客最先闻
Brisa de outono
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De que lugar do outono sopra o vento
Sôfrego envolve os gansos e afugenta
Na aurora as árvores do pátio alcança
O errante solitário o ouve antes
酬乐天扬州初逢席上见赠
巴山楚水凄凉地
二十三年弃置身
怀旧空吟闻笛赋
到乡翻似烂柯人
沉舟侧畔千帆过
病树前头万木春
今日听君歌一曲
暂凭杯酒长精神
Em resposta a Bai Juyi depois de seu primeiro
encontro, em um banquete em Yangzhou
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A oeste e sul veem-se paisagens desoladas
foram-se vinte anos e mais três no exílio
Voltar e ouvir à antiga flauta um tom vazio
de vozes silenciadas rostos que passaram
Desfilam velas frente a um barco naufragado
esta árvore doente encara a primavera
E hoje se escuta o canto vívido entoado:
ao vinho cálices e espíritos se elevem
– Du Mu
秋夕
银烛秋光冷画屏
轻罗小扇扑流萤
天阶夜色凉如水
卧看牵牛织女星
Noite de outono
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Outono a vela incide em prata no biombo
e ela apanha em seda ao leque vagalumes
Na escadaria a noite esfria às cores úmidas
a olhar o céu duas estrelas que se encontram
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Os tradutores:
Ricardo Primo Portugal é escritor e diplomata, graduado em Letras pela UFRGS. Está completando oito anos vivendo e trabalhando na China, primeiro em Pequim, depois em Xangai e, a partir de 2010, em Cantão (Guangzhou). Publicou: Zero a sem – haicais (7Letras),DePassagens (Ameop, 2004), A Cidade Iluminada (Paulinas, 1998), Arte do risco (SMCPA, 1992), Antena Tensa (Coolírica, 1988), além de participações em antologias de poemas para adultos e crianças. Foi co-organizador da edição bilíngue chinês-português Antologia poética de Mário Quintana (EDIPUCRS, 2007), primeiro livro de poeta brasileiro traduzido para o chinês, com o apoio do Consulado Geral do Brasil em Xangai. Em junho de 2011, saiu, pela UNESP,Poesia completa de Yu Xuanji, edição bilíngüe da obra da poetisa clássica chinesa (Dinastia Tang), com traduções suas e de Tan Xiao. Tem publicado poemas, além de artigos sobre tradução, literatura e temas culturais em períodicos e revistas da internet. E-mail:ricardo.pportugal@yahoo.com
Tan Xiao é graduada em Letras, com ênfase em língua inglesa e ensino das línguas inglesa e chinesa pela Universidade Normal de Hengyang e pela Universidade Zhong Nan, Changsha, Hunan, República Popular da China. Estudou português na UnB. Foi intérprete e tradutora português-chinês da Embaixada do Brasil em Pequim e trabalhou no escritório brasiliense da empresa Huawei. Mestre em lingüística pela Universidade de Línguas Estrangeiras de Guangdong.
26 agosto, 2013 as 15:55