Folha corrida
Acompanho há muito a poesia concentrada e imagética do paraibano Sérgio de Castro Pinto. Ele acaba de me enviar seu Folha corrida – poemas escolhidos (1967-2017), registro selecionado de 50 anos de sua poesia + inéditos.
.
Alguns exemplos:
o poeta septuagenário
o poeta
arrasta
os pés
e tropeça
nos versos
de pés
quebrados.
o poeta
não mais
se inspira.
o poeta
só inspira
cuidados.
***
porto inativo
entre mastros,
docas
e calados,
o silêncio
dos guindastes:
espantalhos
de gaivotas
espreguiçando as tardes.
***
o caranguejo
elmo de um guerreiro medievo.
estojo de um par
de olhos
em riste
como dois dedos míopes,
quase cegos,
tateando pelo avesso
um mundo destro.
ser dialético, canhoto,
osso e carne,
bicho barroco,
vive entre o ser e o não ser.
em terra firme,
no mangue
ou no mar alto,
radiografia de um esqueleto acuado.
***
cigarras
mal engarrafam o canto,
logo o explodem:
coquetel molotov
de encontro à tarde
moída em vidro.
***
didi
À memória de Elzo Franca, amigo e primo
didi bate a falta com efeito.
o goleiro adversário é puro espanto:
vê a bola de couro
me-ta-mor-fo-se-ar-se
em uma folha seca
do mais triste outono.
a torcida faz a festa.
e a bola não é mais a bola,
a redonda, o balão, a esfera,
não é mais folha seca,
mas a semente, o goivo,
a flor do gol explodindo em primavera.
***
à queima-roupa
nua, ateias fogo
às minhas vestes
e o teu corpo despe-me
em carne viva.
***
poeta x poema
nem sempre o poeta
ronda o poema
como uma fera a presa.
às vezes, fera presa e acuada
entre as grades do poema-jaula,
doma-o o chicote das palavras.
.
.
Mais sobre o trabalho do poeta:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/paraiba/sergio_de_castro_pinto.html
http://www.jornaldepoesia.jor.br/scastro.html
.
.
Sérgio de Castro Pinto (João Pessoa/PB) é poeta, professor e jornalista. Formado em Direito, exerce a docência de Literatura Brasileira na Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Seu doutorado abordou a obra de Manuel Bandeira e Mário Quintana. É membro da Academia Paraibana de Letras, ocupando a cadeira 39 cujo patrono é o escritor José Lins do Rego.
Comente o texto