Poesia transnacional


 

Aqui, está o refinamento de uma poesia que só pode nascer de um profundo silêncio. Não por acaso, o poeta Jiddu é um dos grandes mímicos do Brasil. O que é um mímico senão um maestro do silêncio? E, como tal, ele sabe reger dois tipos diferentes nesse livro: o haicai e o tanka. Num dos haicais:
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descobrimento –
tudo já estava ali
na paisagem

Basta ver para descobrir. Mas ver não é tarefa fácil. É preciso tirar da frente dos olhos as palavras, o rio de pensamentos ruidosos que nos cega. Não é preciso acrescentar discurso, muita subjetividade ao que já está ali.

Olha só:

Dia de calmaria –
os barcos descansam
da pescaria

Essa festa silenciosa do olhar percorre todos seus haicais. Mas, atentem, silêncio aqui é diferente de introspecção. O haicai capta o que está
fora do poeta. Melhor seria chamar, se houvesse o termo, exospecção.

A paixão por esse pequeno poema que nasceu no Japão há mais de quatrocentos anos segue viva e cultuada no mundo inteiro. Mas há uma outra forma da poesia clássica japonesa: o tanka. É nela que Jiddu vai beber para nos trazer outro tipo de silêncio, agora sim o da introspecção.

Veja esse:

foi assim que a vida
se apresentou para nós
em meio à fumaça

um tempo de vozes confusas
silêncios mal interpretados

No tanka, o mundo nebuloso da subjetividade está presente. Mas, mesmo assim, a cultura japonesa não fez disso um poema verborrágico. É ainda silêncio, mesmo que mal interpretado. De novo, nosso poeta-mímico, aquele que é capaz de interpretar o silêncio.

Com esses tankas, Jiddu traz uma grande contribuição para a nossa literatura. É uma sequência de trinta excelentes poemas. Não há muitos praticantes entre nós dessa forma que tem no Japão nomes como Takuboko Ishikawa e Machi Tawara. Lembro de uma bela sequência de tankas de Borges. Dos poetas brasileiros que conheço, li tankas esporádicos, não um conjunto forte, sensível e bem acabado como esse.

Mais um:

de onde vem
este medo de perder tudo?
não temos nada…

os pássaros ainda cantam
e todas as manhãs estão intactas

A consciência de que não temos nada, zen budista, anima tanto o haicai quanto o tanka. É essa comunhão mais profunda, filosófica, que une os praticantes das duas formas poéticas japonesas, como uma transnacionalidade espiritual, pelo mundo afora. Em cada uma dessas formas, o poeta, como o pássaro nesse tanka do Jiddu, “diz de seu instante”:

o pássaro que canta
nesta manhã tão fria e úmida
diz de seu instante

as folhas estremecidas
lamentam o frio do outono

 

 

 

 

 

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Ricardo Silvestrin nasceu na cidade de Porto Alegre (RS), em 1963. É poeta e escreve contos, crônicas e romances. Também é compositor e integra a banda os poETs. É colunista do jornal Zero Hora e apresenta, na rádio Ipanema FM, o programa Transmissão de Pensamento. Recebeu o Prêmio Açorianos pelas obras O menos vendido (Nankin, 2007) e Palavra mágica (Massao Ohno, 1995), para adultos, e Pequenas observações sobre a vida em outros planetas (Salamandra, 2004), para as crianças. Pela Cosac Naify lançou Transpoemas (2008), uma série de poemas sobre meios de transporte, de carro a prancha de surf, de metrô a tapete mágico. E-mail: ricardo.silvestrin@globo.com




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