A dissolução de Alexandre Brito


 

Cine ABC, do poeta Alexandre Brito, acaba de sair pela Patuá. O volume traz uma seleção de poemas já editados em livros anteriores e uma porção de inéditos.

Uma vez a poeta Olga Savary pediu um poema meu para uma antologia que ela estava organizando. Perguntei se precisaria ser inédito ou se poderia mandar um já publicado. Ela me respondeu que todo poeta é inédito. Referia-se a pouca leitura de poesia.

Assim, é importante que, nesse livro que está saindo, possam ser lidos por mais gente clássicos do Alexandre como “faço versos/sim, faço versos/sou réu confesso (…)/se nesse mundo/tudo tem um número/o meu é zero”. Ou “(…)no fim um poema só aparece/quando desaparece/no papel”. E tantos outros, “lembrei de vovó/canto mais velho que o pó (…)”, “o guarujá”, “dizer não digo”… A lista é grande.

Para mim, que li maravilhado sua produção desde o Visagens, o Zeros, O Fundo do Ar e Outros Poemas, o Metalíngua e a Seleta Esperta, é um prazer encontrar a nova safra nas seções Crepusculares, Versos Suicidas, Diversos Esparsos e Prosaicos. É um novo Alexandre? É e não é.

Há um desapego às sonoridades, a achar palavras dentro de palavras, procedimentos que se radicalizam e se evidenciam na seção final Obra Palavra, ou se questionam nos poemas-ensaios de Metalíngua. Vem para o primeiro plano a construção de imagens, algo que sempre esteve presente na sua poesia, mas que, agora, ganha mais espaço: “o lago de sal a refletir estrelas esplendorosas”, “a curva silenciosa da montanha”, “o sol oblíquo sobre a videira/enche de luz/e vespas/a tarde temperada pela brisa”.

Há também uma percepção mais aguda da passagem do tempo, da velhice, da solidão e da morte.

Mas há um ponto, talvez da visão de mundo, que liga o poeta de ontem ao de hoje. É uma dissolução de tudo. As palavras se esvaziam do peso dos seus significados, os significantes se confundem e se questionam, os saberes se esboroam, as verdades se relativizam, o real vira sonho e vice-versa. Nesse espaço entre as coisas e os nomes, entre as ideias e o nonsense, entre as verdades e o que não se sabe, transitam seus poemas. E dessa dissolução de tudo se ergue essa imensa obra de Alexandre Brito.

 

 

 

 

 

.

Ricardo Silvestrin nasceu na cidade de Porto Alegre (RS), em 1963. É poeta e escreve contos, crônicas e romances. Também é compositor e integra a banda os poETs. É colunista do jornal Zero Hora e apresenta, na rádio Ipanema FM, o programa Transmissão de Pensamento. Recebeu o Prêmio Açorianos pelas obras O menos vendido (Nankin, 2007) e Palavra mágica (Massao Ohno, 1995), para adultos, e Pequenas observações sobre a vida em outros planetas (Salamandra, 2004), para as crianças. Pela Cosac Naify lançou Transpoemas (2008), uma série de poemas sobre meios de transporte, de carro a prancha de surf, de metrô a tapete mágico. E-mail: ricardo.silvestrin@globo.com




Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook