Versos de verdade
…………(Sobre o livro À Ipásia que o espera, de Ronald Augusto)
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A imprensa, atrás do fuxico literário, sempre martelou as motivações amorosas dos poemas de Quintana. O poeta tinha que didaticamente esclarecer: uma amada não é um ponto de chegada de um poema, mas um ponto de partida. Ou, como também escreveu, que não fazia versos para ti, mas versos de ti.
A questão estética colocada por Quintana é o que está também em jogo nesse novo livro do poeta Ronald Augusto. Ou seja, mesmo que os poemas nasçam de uma motivação real, de alguém com nome, endereço e cpf, o que resulta como texto criativo é o que conta.
Nesse sentido, num primeiro momento, salta aos olhos a fluidez com que cada poema do livro é lido. Contrasta com grande parte da produção do Ronald, com aquela sua arte que coloca pedras no caminho do leitor, propondo a quem o ler que se vire. Aqui, mesmo que, de quando em quando, uma outra palavra, uma ou outra referência exijam uma pausa para entender do que se trata, o texto é predominantemente receptivo ao diálogo, à conversa com quem o lê.
É como se a receptividade ao outro que advém do enleio amoroso se estendesse a nós, os leitores. Somos convidados a entrar e a comemorar com o eu do livro o amor, o prazer, a vida bem vivida. Como escreveu Sêneca, a questão não é viver, mas viver bem. Quem não vive bem pode seguir por duzentos anos e, na hora da morte, vai se lamentar que não viveu. Por outro lado, quem está numa boa pode até, como no poema que encerra esse volume, constatar frente ao espelho a passagem do tempo, a barba com “uma áspera penugem branca”, mas sorrir ao aceno da amada que surge por trás dos seus olhos.
Uma cena recorrente em alguns poemas é o eu-poeta no escuro, insone, escrevendo sobre o corpo, alvo, da mulher que dorme entre os lençóis. Assemelha-se ao esforço do texto que se nos apresenta, de ir do escuro ao claro, ou do trovar escuro ao trovar claro.
Em outro trecho, lemos: “penso que talvez meu fraco (…) venha/agora a calhar com toda força/levando-me a versos de verdade”. Essa afirmação da poesia e do poeta está noutro poema: “quero ficar como o poeta de denixe/denixe que é do Ronald/(ela me chama: meu poeta)” – aqui foram citados outros poetas que também cantaram seus amores e que entraram para a história.
Versos de verdade podem remeter ao que é representado/reconstruído nos enredos de cada poema. Há cenas, personagens, a paisagem. Mas também ao prazer e ao gozo de escrever com força, movido pela alegria do convívio que transborda no livro. Alegria que faz querer superar todas as influências ou confluências (para usar um outro termo do Quintana, a de que somente somos influenciados por autores que tenham o que já tínhamos em nós) e ser, de uma vez por todas, o poeta, e o homem, Ronald Augusto.
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Ricardo Silvestrin nasceu na cidade de Porto Alegre (RS), em 1963. É poeta e escreve contos, crônicas e romances. Também é compositor e integra a banda os poETs. É colunista do jornal Zero Hora e apresenta, na rádio Ipanema FM, o programa Transmissão de Pensamento. Recebeu o Prêmio Açorianos pelas obras O menos vendido (Nankin, 2007) e Palavra mágica (Massao Ohno, 1995), para adultos, e Pequenas observações sobre a vida em outros planetas (Salamandra, 2004), para as crianças. Pela Cosac Naify lançou Transpoemas (2008), uma série de poemas sobre meios de transporte, de carro a prancha de surf, de metrô a tapete mágico. E-mail: ricardo.silvestrin@globo.com
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