Resistência


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Em 1948, o poeta Pablo Neruda, perseguido pelo governo do presidente chileno Gabriel González Videla, lançou a Antología Popular de la Resistencia. Neruda escreveu todos os poemas do livro, mas assinou apenas alguns com seu nome. O restante atribuiu ao poeta chileno Julio Moncada, seu companheiro de geração, ao cubano Nicolás Guillén e a cinco escritores que ele inventou e os fez passar por verdadeiros.

Moncada e Neruda também fizeram parte da Alianza de Intelectuales para la Defensa de la Cultura, juntos a uma geração de artistas ativistas. No governo do presidente Salvador Allende, Julio Moncada foi nomeado Agregado Cultural na Embaixada de Montevidéu. Com o golpe militar no Chile, renunciou ao seu cargo e partiu para o exílio, primeiro em Buenos Aires e, mais tarde, em Paris, onde faleceu em 1983.

Como muitos dos escritores do seu tempo, Moncada teve um profundo compromisso com a arte e com a luta popular. Seus poemas trazem a esperança na construção de dias melhores, afrontam os ianques, elogiam as pessoas humildes, os camponeses, os que vagam pelo mundo que os exila de uma vida justa.

Exílio, para um poeta como Moncada, é mais do que um situação marcada pela história do seu país e da América Latina. É a condição de todos que não se enquadraram numa vida com roteiro prévio, feita à imagem e semelhança da lógica desumana da acumulação pela acumulação.

Assim, na sua poesia, estética e ética caminham juntas. Uma não está abaixo ou acima da outra. Afinal, a ética de um artista também está em realizar um texto com os melhores procedimentos criativos que ele conseguir. O mesmo zelo que Moncada tem por suas ideias, por suas convicções, pela luta do seu povo, transparece na sua cuidada construção de imagens, de ritmos, de surpresas de significados.

O resultado é uma poesia forte, às vezes doída, participante, mas, sobretudo, que permanece pulsando para além do seu tempo. A exemplo do título do livro de Neruda, essa, a de Julio Moncada, é também uma antologia de resistência: a resistência da sua própria arte.

 

 

[Prefácio do livro Habito um país distante]

 

 

 

 

 

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Ricardo Silvestrin nasceu na cidade de Porto Alegre (RS), em 1963. É poeta e escreve contos, crônicas e romances. Também é compositor e integra a banda os poETs. É colunista do jornal Zero Hora e apresenta, na rádio Ipanema FM, o programa Transmissão de Pensamento. Recebeu o Prêmio Açorianos pelas obras O menos vendido (Nankin, 2007) e Palavra mágica (Massao Ohno, 1995), para adultos, e Pequenas observações sobre a vida em outros planetas (Salamandra, 2004), para as crianças. Pela Cosac Naify lançou Transpoemas (2008), uma série de poemas sobre meios de transporte, de carro a prancha de surf, de metrô a tapete mágico. E-mail: ricardo.silvestrin@globo.com




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