Sonetos contemporâneos
O soneto contemporâneo vem tendo no Brasil um tratamento de subversão da expectativa de poesia bem comportada. Poetas como Glauco Mattoso, Paulo Seben e Germano Quaresma (que também assina como Manoel Herzog) têm em comum o procedimento de, antes de mais nada, escolher uma forma fixa que poderia soar como desgastada e inserir nela temas e termos da atualidade, sobretudo gírias, palavrões, sexo, drogas, rap, política e rock and roll. Como nessa estrofe do presente livro:
Trepa uma vez, depois some,
Tudo no mundo separa –
Menos os rolestone.
O humor e o escracho também rolam soltos e contribuem para renovar a repisada forma fixa.
Trazer um conteúdo surpreende, fora do contexto dos temas comuns da poesia, foi expediente cultivado, há mais tempo, por outro praticante do soneto, Augusto dos Anjos – “Eu, filho do carbono e do amoníaco…”. Gregório de Matos, por sua vez, colocava nos quartetos e tercetos a crítica aos políticos e à sociedade de sua época: “A cada canto um grande conselheiro,/Que nos quer governar cabana e vinha;/Não sabem governar sua cozinha,/E podem governar o mundo inteiro.”
Desse modo, Germano está levando adiante uma tradição. A tradição do soneto mal-comportado. E é justamente do contraste do número fixo de estrofes e de versos, do uso da métrica regular e das rimas com os assuntos e falas do cotidiano mais ao rés do chão que Herzog cria esse verdadeiro samba do soneto doido.
Cenas e personagens da vida nacional, da política, da mídia, da guerra ideológica que tem caracterizado este tempo recente estão nos poemas do livro. A fala comum reproduzida na escrita cria uma sonoridade de rap paulista, de fala “dos mano”, numa mixagem de estilos e registros estéticos.
E a visão de mundo, aquela que é pessoal e intransferível, no caso de Germano Quarema, traz interessantes ângulos da vida cotidiana, como nestes versos que iniciam um dos sonetos:
Feliz o homem que caga de manhã
Pra este a sorte nunca foi madrasta
É mais uma incursão criativa e inquieta de Quaresma, escritor também premiado na prosa, pela poesia. Sua arte militante se apresenta como uma das armas na batalha contra a nova ordem conservadora que tentam impor ao país.
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Ricardo Silvestrin nasceu na cidade de Porto Alegre (RS), em 1963. É poeta e escreve contos, crônicas e romances. Também é compositor e integra a banda os poETs. É colunista do jornal Zero Hora e apresenta, na rádio Ipanema FM, o programa Transmissão de Pensamento. Recebeu o Prêmio Açorianos pelas obras O menos vendido (Nankin, 2007) e Palavra mágica (Massao Ohno, 1995), para adultos, e Pequenas observações sobre a vida em outros planetas (Salamandra, 2004), para as crianças. Pela Cosac Naify lançou Transpoemas (2008), uma série de poemas sobre meios de transporte, de carro a prancha de surf, de metrô a tapete mágico. E-mail: ricardo.silvestrin@globo.com
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