Two comments: o inútil e o jornalismo


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Com histórias literárias, filosóficas e políticas Nuccio Ordine cria um manifesto do inútil em A utilidade do inútil. Comento também um livro sobre Jornalismo na era atual – onde as pessoas estão cada vez mais antenadas. Assim, é curioso lembrar que Ordine conta que entre 1831 e 1832 Giacomo Leopardi com o amigo Antonio Ranieri projeta um jornal semanal, Lo Spettatore Fiorentino, cuja pretensão era ser inútil. Declarando logo no Editorial: “Reconheçamos de imediato que o nosso jornal não terá nenhuma utilidade”. Talvez não servisse nem para embrulhar peixe.

Século 19 e Leopardi via nele um mundo completamente entregue ao utilitarismo. Daí a ideia de um jornal sem utilidade nenhuma. Difícil imaginar onde chegamos, ao século onde inútil e útil têm praticamente a mesma importância. O jornal de Leopardi não vingou, mas no mundo moderno apareceram milhares de tabloides que só não tinham coragem de declarem sua inutilidade.

O manifesto é permeado de histórias exemplares, de texto leve e didático. A narrativa tem um toque biográfico, uma pitada de diletantismo.

A literatura é vista, a todo o momento, como não comercial. Mora aqui o fator anacrônico do discurso; quando sabemos hoje que o escritor de literatura mais apaixonado (o autopublicado) trabalha sem desviar os olhos do mercado.

Alguns capítulos são meros adornos, pegando a deixa do título, inúteis.
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O JORNALISMO


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O livro de Carlos Sandano desagrada à primeira vista por sua linguagem acadêmica. Não há referência, mas tudo indica tratar-se de uma tese universitária. Linguagem enfadonha; sem descredenciar a importante formação lapidar do texto (seja literário ou jornalístico – abismo estreito) ofertada pelas instituições de ensino “superior”.

A obra surpreende pela visão ampla que o autor tem do conceito de Jornalismo. Surpreende também e vai além, tornando o texto (mesmo limitado por certa impostura técnica) de agradável leitura, em alguns tópicos de capítulos.

Um dos tópicos é o 3.1 intitulado “Por uma vida melhor” que trata da polêmica em torno do livro de mesmo título. Nele Sandano abusa do talento em expor sua opinião. O livro em questão aborda o uso das concordâncias na linguagem popular e culta. O jornalista não deixa esquecer que muitas vezes a língua é usada como discriminação social, usada para descriminar um segmento da sociedade que não a usa na forma culta.

Outro tópico de destaque é o 5.2 (O futuro do Jornalismo) onde escreve sobre novas formas de jornalismo como a Mídia Ninja e o Wikileaks. Ressaltando que a neutralidade por si só não define a “caracterização” de ser ou não Jornalista. Escreve que os “ninjas” compreendem na atualidade o “mito da imparcialidade” suplantado pelo o que chamam de multiparcialidade.

A obra é uma crítica contundente e embasada ao Jornalismo atual.

 

A UTILIDADE DO INÚTIL – UM MANIFESTO
NUCCIO ORDINE
ZAHAR (2016)


PARA ALÉM DO CÓDIGO DIGITAL: O LUGAR DO JORNALISMO EM UM MUNDO INTERCONECTADO
CARLOS SANDANO
EDUFSCAR (2015)

 

 

 

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Cláudio Portella é escritor. Tem 14 livros publicados de diferentes gêneros. E-mail: clautella@ig.com.br

 




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