Todos os poetas têm o mesmo cheiro
→ A dança do jaguar – Felipe Teodoro – Lambrequim, 2022.
Nos poemas desse novo livro de Felipe Teodoro, A dança do jaguar, predomina um tom existencialista que logo se constata até mesmo no título sugestivo, ao aparecer explicitado num poema, quase ao final, como sendo o jaguar a morte. Nessa toada, o primeiro poema tem por título a menção a um mural da morte, assim como o último é “epitáfio”, poderia se dizer que com o jaguar por eles sombreando nessas similitudes de lápides.
Talvez, não por acaso, uma das palavras mais recorrentes no livro seja “Deus”, presente em numerosos poemas, ainda que a descrição desse ente mais poético que religioso seja diminuída em relação à sua versão bíblica porque representado de forma antinômica como nos versos “a vida/ é um bate-cabeça/ ao som metálico de um Deus louco”. Nesse deserto que é a vida sob o domínio desse Deus falível, rebaixado, sujeito à escatologia, dada sua impotência, “com a boca sangrando”, é de se crer que estão todos mortos: “mas todos nós mortos/ temos o mesmo cheiro”.
Há algo de apocalíptico, de estresse existencial, nessa poética, com esse tom metafísico, certamente porque está remarcada pelo período pandêmico em que os humanos se transformaram em coveiros: “todo mundo coveiro mães pais filhos irmãos órfãos” e, logicamente, menores ainda que aquelas versões animalizadas do Deus que vão circulando pelos poemas: “ainda somos pequenos demais/ menores que formigas/ menores que grãos de areia”. Esse aspecto já estava anunciado num livro anterior, Rasgo, composto com poemas dessa mesma característica existencialista distópica, em que a questão da morte é enfatizada e o “Apocalipse”, título de um dos poemas, assinalado: “é preciso estar preparado /… para a queda dos santos/ … pra escolher a nova direção/ da vida que o fim ressuscitou”.
→ Rasgo. – Felipe Teodoro – Olaria Cartonera, 2022.
E, quanto ao poeta, ele, “como o religioso acredita em Deus todo poderoso”, “acredita na poesia/ como a criança acredita em Coelho de Páscoa/ Papai Noel & Bicho Papão”. Deveria ser engraçado, porém o tom solene desse eu poético não dá brecha, patético, pois reafirma: “o poeta acredita na poesia/ como o condenado à morte/ acredita que tudo acabou” – “o poeta acredita e isso basta”. A idealização platônica da poesia sugere: acredita como a criança, acredita em Coelho de Páscoa/ Papai Noel & Bicho Papão, acredita na poesia, esse tom anunciado do apocalipse, como um condenado à morte, mais uma em meio às centenas de milhares de mortos, porém morte ungida pela poesia, se é que isso a faça melhor, se é que isso faça salvar o poeta.
Esse poeta que, num poema, menciona a mãe que diz: “ser homem, meu filho/ no fundo não é nada, nada demais”. Ela se refere à persona masculina, no entanto a referência a isso se secundariza em relação ao senso metafísico que percorre o livro e daí se poder constatar que ser poeta não é nada, nada demais, tal como ser homem, ainda que se acredite de forma idealizada na poesia, pois, afinal, “a música segue tocando/ acho que a vida é o disco/ favorito de Deus” – e todos têm o mesmo cheiro – de mortos, diga-se por epitáfio.
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Ademir Demarchi nasceu em Maringá e reside em Santos há 15 anos, onde trabalha como redator. Formado em Letras/Francês, com Mestrado pela Universidade Federal de Santa Catarina (1991) e Doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (1997), foi editor da revista Babel, de poesia, crítica e tradução, com seis números publicados de 2000 a 2004. É autor de Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná (Imprensa Oficial do PR, 2002); Volúpias (poemas, Florianópolis: Editora Semprelo, 1990); Espelhos incessantes (“livro de artista” com poemas do autor e gravuras de Denise Helena Corá, edição dos autores, Santos: 1993; exposto no Museu da Gravura em Curitiba no mesmo ano); Janelas para lugar nenhum(poemas, com linoleogravuras de Edgar Cliquet, edição dos autores, Santos: 1993; lançamento feito em Curitiba, no Museu da Gravura, no mesmo ano). Além desses trabalhos, o autor tem também poemas, artigos e ensaios publicados nos livros Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná; 18 Poetas Catarinenses – A mais nova geração deles (ed. e org. Fábio Brüggemann, FCC Edições/Editora Semprelo, 1991);Os mortos na sala de jantar (Realejo Livros, 2007) e Passeios na Floresta (Editora Éblis, Porto Alegre, 2008). Publica também em periódicos como Literatura e Sociedade (São Paulo, USP);Medusa (Curitiba); Coyote (São Paulo), Oroboro (Curitiba), Jornal do Brasil/Idéias; Rascunho(Curitiba); Jornal da Biblioteca Pública do Paraná; Babel (Santos); Sebastião (São Paulo); Los Rollos del Mar Muerto (Buenos Aires, Argentina) e sites, entre eles, as revistas eletrônicas Germina, Agulha, El Artefacto Literario, Tanto e Critério. E-mail: revistababel@uol.com.br

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