Sampoema
a Claudio Willer e Zé Celso
Teu ventre regurgita seres de estranheza
orgíaco encanto terra sem marcos
acampamento solidário aos lobos das estepe
poetas / fodidos/ eruditos de céu in-concreto
campos de pivas orides fontelas panamericanas
agripinos catadores dum lumpensinato estelar,
vencer Sampa é perder-lhe o medo
tua geografia são seus rostos bolívares-haiti-coreanos
lago anônimos de gozo e morte
a Paulista é praia de ondas com pressa de cimento
cal fétido/ grana espúria: do Jaraguá vejo-te
cosmovo: Sampa é ducaralho divino esporro
único mundo donde perdi o medo: perder nu ao medo
nu era o começo indistinto agora reconheço
alamedas / janelas / quartos de estórias insuspeitas
em cada cômodo um coito / parto / féretro
águas pútridas / córregos em transe / pirajuçaras
marginais de rios carontes refletindo desespero
de Virgílios e Dantes: cosmoagonias: Sampa é ducaralho
azar e sorte: a vida não perdoa desatento transeunte
tudo-todo-rola-cada-instante: poemizosampa
navalhando névoas cinzas nuvens de estanho
ilusão paraísos consolação liberdade jardins
oscar freires de infame exclusão mariana
ângelas leopoldinas vilas no caminho havia uma praça
trecho arremedo de troços e a praça fez-se
árvore numa igreja de enforcados insones luzes de horas
cada habitante inapetente é uma paisagem
espreitando esconderijos dalguma memória
te esperam vão / vales / te esperam algum sentido
algum sentido para onde damos em alamedas
becos / benedictocalixtos / anhangabamentos
conas / répteis / fósseis / múmias virgens
salve Sampa sodomizada / poesia pederasta oralizada
todo-tudo-sempre é Sampa e Sampa é foda
aqui-quase-nada/ quase-nada/ nada em orgasmo
múltiplos de signos / significados infindos
vejo estranhos que passam: eu Walt Whitman tropicano
garanhões/ ninfetas/ anjos putos/ proxenetas
risco que corro e escorro longa mirada para ser feliz
num átimo / fóton de esquina por esquina
senha códigos berros espectros em amuradas
Davids Lynchs / Win Wenders / barras códigos estacas!
meu cérebro é onde em Sampa!? noites de autorama
madrugadas mais darks que a escuridão do nada
Interlagos de lágrimas : engulhos esgares vômitos
gemidos da metrópole essa meretriz viada que comigo deitga
quando esparramo-me de paisagem e realizo delírio
por inteiro: eu sou carona de teus fetiches pesadelos
espasmos oníricos: insights luminares / beatniks
tranzmodernos / aqui! Deus é Joyce, Mallarmé seu profeta
eu moro é na Literatura sampauleira sampaulista sampinferno
samparteiro de entradas bandeiras volpianas baratas forasteiras trens sobrehumanos
traças suburbanas / trago o gole de amargura oswaldiana: a tristeza é prova dum 69
sou 13! 11! oito infinito onde o som se estreita
andróides / zumbis / iracemas da vieira/ índias de Moema
incorporo metálico estalido dos espigões em meu rabo
e meus cornos eriçados de antenas
Sampa é zoom!!!! quem não poema não come!
eu pagão proclamo! quem poema não mais engole sapos
poetas todos! bruxos, bichas, menos os broxas que cantam loas ao parnaso endinheirado profano
Disposto o peito aberto a camisa em desalinho
Sampa me afronta com sua zona e risco
Sampa é Ó entre brejos e bronhas
atmosfera saída dum filme B
assassinatos chacinas negras noir
ferozes volantes / violência fashion
homens mix de mulheres
blade runners andróginos: transgêneros líricos
merda cercada de gente por todos os poros dos lados
dentro estou fora e dane-se o recheio
o borbagato me bulina / sinto a maresia baseada
no Oceano lisérgico na imagética moldada por camada de cânhamo
o mar é longe/ vagas de gente empoçam
castelos de areia a multidão é sempre sociedade anônima
cambalio/ resisto por grutas/ grotas/ gretas
rizomas elevadores capengam shoppings da babilônia
midnights cowboys pela gay caneca
não existem pontes entre toda essa gente
viver é lançar pontes do vazio refletindo a luz do nada
muretas guaritas tiras do ouro bandeirante
nada insiste subsiste uma vista onde nunca se encaixa ao mesmo tempo ao todo se situa onde mora o deserto é menos só que na Augusta
a chama tupi jazz jazz jazz em terracota e taipa
em Sampa! fiespe-se ou foda-se!
urbe orbe pulsando fênix de turbinas em chamas
caldeiras / turbilhão miragens do movimento
sempre estamos onde nem supomos
os vagões levam homens apalpando sua malas
duras penas / diamantes em pencas chaminés de ouro
cravejados de sapopembas e diademas
Eu canto porque minha alma não desiste
Penso, louco logo resisto
reconheço todas tribos
o gigante polvo capitalista não é nada perto de nosso espanto e grito
cruel argamassa solitude que nos une
artefatos / bólidos/ hélices/ inversão térmica das cores
Sampa é asco que fascina
nunca me afugenta
náusea que me alucina
Sampa não existe
está sendo no ato
porra loca dum gozo carcomido
o mercado come-se / dinheiro autofágico
Criar é para sempre onde exista
Sampa anda em mim por via estreita
poetemos onanistas!
abaixo arcadas cerebrais desconstruir discursos é urgente!
façamos desse cu doce subversivo argumento´´
II–
há um corpo sem alma brotando dos vales
um rugido ecoa duma encruzilhada feito arena de touros
os estudantes operários a conversa de comadres
tudo leva descrer que exista mesma uma cidade
essa é pátria sem ancestrais reconhecíveis
as fachadas cobrem-se de resto enquanto conto os rostos sem lábios expressos
continuam rolando os números substitutos de nomes
que se mudam para o araçá sem deitar herdades
na boleia de carros sem cortejos não mais saudades
sentimentos são mal vindos correm sem fúria ao descaso do trânsito
um vazio se abre numa clareira via láctea angélica
que fala baixo para o barulho não se inquietar de espanto
atrás da Igreja Santa Cecília nasce uma odisseia inédita
e sobe um bonde invisível entre a rua veridiana e a sina imprecisa
da legião de vivos e mortos escalando estrábicos parapeitos farejando em coro barões do café pairando miasmas duma aristocracia pútrida de nuvens cinzas
a linha absurda dos ressuscitados Lapa – Praça do Patriarca
transido o tempo não mais contado
corpos permanente exílio
honestamente a cidade é só um pretexto para seus olhos
sobre as coisas não explicadas restam as palavras
dizer o possível
ávida a noite engoliu a vontade da pressa
o amanhecer será alguém que despede a lida a prece
hoje entrou-me no ventre da alma um amor que sonhei
descendo a maria antonia preciso como a chuva das cinco
quero libertar-me de Sampa
tornar-me ao mesmo lance de dados refém de seu precipício
anular-me de sua lembrança
mas quedo gozozo com o copan entre as coxas
fálico com suas sobras atlânticas como um tubérculo nascido entre minha boca
a calidez do ânus túmido emprenhando-me pelas vértebras
um martinelli rasgando a galope meus antolhos
fértil córrego canalizado de teu esperma terra vermelha
estrela errantes entorpecem
seu eu pensasse uma vontade doida
a mentira se faria concreta como um gemido lúcido
da grande dama encerra / fruto estranho na major Diogo
e só os loucos tem um só motivo belo para desistir do sempre
eu que me estranho pro farejar o Eterno estilhaçado nos guichês e filas compras pagamentos em banco formigueiros da barão de itapetininga
eu que não mais suporto ser cotidiano não sei ser moderno
contemporâneo ao extremo entre a foz e o rebento / quero-me sendo
numa primavera com rosto tranqüilo entre o arquidiocesano e a bucólica ana rosa
leve buscando meu Rimbaud imaginário e não menos existente entre a rua pelotas com Morrissey: “The Charming Man” e o jovem esguio lívido num véu leve de viadagem beat me cercava de esperanças enquanto olvido em todos tempos do verbo a massa amorfa presa do presente fútil
em Sampa todos poemas são esparramados em prosa buscando um horizonte
entre a verticalização neo-clássica duma Dallas do brejo e os iguatemis de excludência
Sampa urbanicida neo-jeca resgata os rios e os poetas!
megalópole não para vencer na vida
mas adensar o mundo por dentro profundo e denso
tomar a selva atlântica seus contornos
a mata atlântica resgatar onírica serpeteando antenas e banespas
as vias nervosas fresta por fresta e Sampa não mais de barões carcomidos
será dos riachos e loucos bardos!
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Flávio Viegas Amoreira é escritor, poeta e jornalista. Nasceu em Santos em 1965, mora em São Paulo atuando como agitador cultural pela capital paulista, Litoral e Rio de Janeiro; considerado um dos mais inquietos escritores da Novíssima Literatura Brasileira, já lançou 12 livros entre contos, poesia e romance: Maralto – 2002; A Biblioteca Submergida– 2003; Contogramas – 2004; Escorbuto, Cantos da Costa – 2005; Edoardo, o Ele de Nós – 2007, todos editados pela 7 Letras Editora – Rio de Janeiro, além de livros por editoras paulistas, antologias internacionais até ser incluído na denominada Geração Zero Zero, reunião de contistas considerados mais representativos da primeira década do século 21 no Brasil, antologia organizada pelo prestigiado crítico literário Luiz Brás e editado pela Língua Geral em 2011. E-mail: flavioamoreira@uol.com.br
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