Receita pop
……………….A receita pop de Joca Reiners Terron
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Comecemos pelo fim. É por onde o livro “Não há nada lá” de Joca Reiners Terron começa. Ou termina. O livro começa na página 154, pelo capítulo 48. Os números das páginas vão diminuindo, feito a contagem do tempo antes de Cristo, até o capítulo zero, quando a irmã Lúcia escreve uma carta encomendada por Deus. A carta vai se iluminando nas páginas seguintes até desaparecer por completo. E é esse o mais interessante aspecto gráfico do livro. O texto se desintegrando. O autor usa esse recurso em outros capítulos do livro, sempre com sucesso.
Terron é formado em desenho industrial. Foi editor e tem experiência em arte gráfica. Ele juntou esses conhecimentos com o universo pop e fez um livro sob medida. Os capítulos intercalam passagens das histórias de sete personagens, uns mais que outros, que hoje alimentam o imaginário Pop. São eles, pela ordem: William Burroughs (o mais pop dos escritores Beats), Raymond Roussel (o inventor do trailer), Torquato Neto (ficciona como teria sido o famoso encontro do poeta com Jimi Hendrix), Isidoro Ducasse, Artur Rimbaud (ficciona um encontro do poeta com o pistoleiro Billy‑The‑Kid), Aleister Crowley (ficciona seu encontro com Fernando Pessoa) e a irmã Lúcia (uma das crianças portuguesas que tiveram as visões de Nossa Senhora). Os relatos dos acontecimentos que os personagens protagonizam não são meros frutos da imaginação livre do escritor. Os episódios são calçados com informações de pesquisa. Isso se torna claro em alguns personagens. Como no caso de Arthur Rimbaud e Torquato Neto. Ele diz que o palavrão preferido de Rimbaud é merda. Rimbaud apelidou Paris de “Parmerde”. No encontro de Torquato Neto com Jimi Hendrix, o poeta brasileiro está exatamente com as pessoas (os nomes são os mesmos) que disse que estava no momento do encontro e isso se torna mais claro quando no capítulo 18 o autor transcreve um texto inteiro do diário do Torquato Neto. Sem dúvida copilado do livro Os últimos dias de Paupéria, organizado por Wally Salomão. Acrescenta-se à receita algumas ilustrações e pronto eis um livro deveras curioso.
Depois do capítulo zero tem um adendo com informações biográficas sobre cada um dos personagens do livro. Há informações interessantes sobre quase todos. A única lacuna é sobre o poeta Torquato Neto onde diz que não sabemos nada sobre ele. Compreendo que a primeira edição do livro é de 2001. Mas de lá para cá muito se escreveu sobre Torquato Neto, inclusive a biografia dele feita por Toninho Vaz e publicada em 2005. Imagino que mais informações sobre Torquato poderiam compor essa nova edição do livro. Outro fato é que o jornal indicado onde ele escrevia a coluna Geléia Geral não é o Jornal do Brasil, mas sim, o também finado Última Hora.
Costuma-se dizer que o escritor que joga em todas as posições, como é o caso do Joca Reiners Terron, acaba pulverizando um pouco sua literatura. Se eu tivesse que optar por uma aptidão do Joca, optaria pelo prosador.
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NÃO HÁ NADA LÁ / JOCA REINERS TERRON / COMPANHIA DAS LETRAS / 160 PÁGS
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Cláudio Portella (Fortaleza, 1972) é escritor, poeta, crítico literário e jornalista cultural. Autor dos livros Bingo! (2003), Melhores Poemas Patativa do Assaré (2006; 1º Reimpressão, 2011), Crack (2009), fodaleza.com (2009), As Vísceras (2010), Cego Aderaldo (2010), o livro dos epigramas & outros poemas (2011) e Net (2011). Colabora em importantes jornais, revistas e sites do Brasil e do exterior. E-mail: clautella@ig.com.br
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