Sociopatas
Do nosso confrade Dr. Manuel Beirão, hoje a viver e a trabalhar na República de Angola, recebemos um punhadinho de textos significativos e que procuraremos ir dando a lume paulatinamente. Porque nos parece curial e de muito interesse, em vista do tema que aborda e que é sempre de meditar, aqui vos damos agora o primeiro que seleccionámos.
Quero aduzir entretanto: enviado ao Doutor Luís Barreiros, médico psicanalista e nosso amigo de há vários anos – a quem remetemos frequentemente artigos e notícias que certificam a partilha da nossa convivência – este deu-nos a seguinte achega:
Olá, Nicolau
É sempre um prazer receber notícias suas. Gostei imenso do texto. Faria apenas a ressalva de ser preferível reservar a terminologia de sociopatas para psicopatas que se manifestam em grupos organizados (David Koresh, por exemplo, 1993, Estados Unidos; Jim Jones, 1979, se não me falha a memória numa das Guianas da América do Sul, num centro comunitário criado por ele próprio e os seus acólitos; neste caso, parece que até um senador norte-americano ficou lá plantado quando resolveu meter o bedelho no meio dos maluquinhos e logo calhou no dia em que limparam mais de 900 almas…). O termo psicopata ficaria mais para os lobos solitários e entre estes ainda teríamos que distinguir os que se ficam pela ideação e os que passam à acção (caso do referido Night Stalker, anos 80, EUA, documentado na Netflix).
Dito isto, aqui fica o texto de Manuel Beirão, a que juntamos no final a resposta a uma pergunta que lhe colocámos.
“Desprezam os direitos e as emoções dos outros e fingem e manipulam para alcançar os seus interesses. São doentes com Perturbação da Personalidade Antissocial.
A psicopatia, também chamada sociopatia, é o tipo mais grave de Perturbação da Personalidade Antissocial (PPAS). Caracteriza-se pela incapacidade de sentir empatia, culpa ou lealdade perante outros, sendo uma grave doença emocional que se disfarça atrás de uma fachada de boa saúde mental. “O psicopata pode parecer normal e até mesmo encantador”, “No entanto, falta-lhe consciência e empatia, o que o torna manipulador, volátil e muitas vezes, mas não sempre, criminoso.”
Apesar de todos os psicopatas serem, na sua essência, profundamente antissociais e incapazes de experiências afetivas profundas, alguns têm boas competências sociais. “Existe um subgrupo que revela características como o charme e a inteligência, muitos são excelentes comunicadores e são capazes de detetar facilmente as vulnerabilidades dos outros, que utilizam para proveito próprio.”
“Grandes solitários”, quando chegam a constituir agregado familiar tal é geralmente disfuncional e pautado por severas disrupções que frequentemente os levam a problemas de ordem íntima e, nos casos mais graves, expressamente criminalizável.
O sociopata tem sempre uma alta concepção de si próprio, das suas competências. No seu ser mais profundo, liga-se em geral a pessoas ou personalidades com as mesmas características, que vê como exemplos a considerar.
No aspecto das relações íntimas, o seu comportamento caracteriza-se pelo sadomasoquismo, em casos mais marcados a inclinação homossexual velada ou expressa, efectiva.
Quando descoberto a sua agressividade manifesta-se e pode por vezes virar-se contra si próprio. Muitos sociopatas chegam nestes casos à demência e à auto-mutilação expressa ou simbolizada.
Os psicopatas secundários, também conhecidos como “psicopatas bem-sucedidos”, são sedutores audazes e têm uma marcada ausência de ansiedade e menor impulsividade. Isso leva-os a conseguirem esconder as suas características antissociais e, por isso, frequentemente chegam a posições de liderança à custa da manipulação e aproveitamento dos outros.
O sociopata adopta muitos tiques e características de certas personalidades com algum relevo, tendo como tem comportamentos esquisóides e “afectivos” – a maleabilidade de temperamento e as súbitas “paixões” que o levam a mudanças bruscas, as suas adesões repentinas transformam-se em agressividade e em ódios quando se enfrentam com diferentes tipologias.
Assim, uma das suas características é a inveja, pois o sociopata combina a “astúcia” com o ressentimento típico. Sendo com frequência pouco favorecido fisicamente ou mesmo francamente feio, é amaneirado e substitui a sua aparência que julga desfavorecedora por encenações, pois o seu mundo relacional sendo complexo sobrestima-se para lhe garantir um sucesso compensador.
Outra característica destes doentes é serem por norma fisicamente cobardes, daí que nos casos limite usem atacar seres mais fracos como mulheres, o que aconteceu com grandes criminosos como Ted Bundy, John Gacy ou Albert de Salvo e outros que ficaram na História.
Vive sempre em grande tensão, podendo nos casos de maior gravidade cair em períodos de doenças repentinas e cíclicas, enxaquecas persistentes, estados depressivos, desânimos e estados febris, a que se seguem momentâneas euforias (síndroma de Glaser).
É um dos doentes mais difíceis de tratar, tanto mais que a sua conformação genética o torna muitas vezes fraco fisicamente e dificilmente receptivo a uma medicamentação adequada.
Perguntámos ainda ao Autor, pois nos interrogava a curiosidade: “E as mulheres? Também nelas se manifesta a sociopatia, ou psicopatia se assim o quiser? Obtivemos a seguinte resposta: “Sim, mas aí o caso é ligeiramente diferente. Em geral é da ordem a que chamaríamos reflexiva, por razões diversas. Quase sempre a psicopatia, se não é criminosa como no caso limite e famoso de Claudine Doubois, revela-se pela adesão a comportamentos menos expressivos: aí a sociopatia manifesta-se porque em geral a mulher junta-se a operativos específicos: adesão a bandidos de acção ou de política, altos ou menos altos traficantes de droga, quadrilheiros ou caftens, visando uma cobertura adequada e relativamente compensadora que a ponha a coberto de conflitos muito marcados. Se a psicopatia tiver um menor relevo, se for mais leve, temos vulgarmente as chamadas mulheres dominadoras (até no matrimónio, mais ou menos persistente) ou com um grau de sadismo de teor sexual bem marcado”.
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Nicolau Saião é poeta, pintor, publicista e actor/declamador, nasceu em Monforte do Alentejo em 1946. Vive em Portalegre, Portugal. Como pintor participou em mostras de Arte Postal em diversos países (Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Austrália, Mali…), além de ter exposto individual e colectivamente em diversas localidades (Paris, Lisboa, Porto, Elvas, Tiblissi, Portalegre, Messina, Borba, Campo Maior, Sevilha…). Organizou, com Mário Cesariny e Carlos Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso”, patente no Teatro de Xabregas e na Soc. Nac. de Belas Artes ( tendo traduzido diversos autores incluídos no livro-catálogo) e, com João Garção, a mostra de mail-art “O futebol”.Está representado em diversas antologias de poesia e pintura. Traduziu “Os fungos de Yuggoth” de H. P. Lovecraft e “Vestígios” de Gérard Calandre, bem como poemas avulsos de Benjamin Péret, Derek Soames, Jules Morot, Emílio A. Westphalen, Jacques Tombelle, Edward Burton, Philipe Dennis, Juan Ramón Jimenez, Philip Jose Farmer, etc. Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes” (Editorial Caminho). Outros livros: “Flauta de Pan, “Os olhares perdidos, “Assembleia geral”, “Passagem de nível”, “Os labirintos do real“ – publicados. “Cantos do deserto”(poemas relacionados com o deserto de Tabernas, Espanha), “As vozes ausentes”(crónicas e textos diversos), “As estrelas sobre a casa”(teatro), “Em nós o céu”(novela policial). E-mail: nicolau19@yahoo.com
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