PET


 

Segundo livro que a editora Kapulana publica no Brasil de autoria de Akwaeke Emezi .

PET é a estreia no mundo dos livros do autor trans/não-binário Akwaeke Emezi  que, segundo ele, gostaria de ter lido quando era mais novo, mas que pode interessar a leitores de todas as idades.

“Não era mais para haver monstros em Lucille”. Assim começa a história de Chimia uma adolescente trans, e seu melhor amigo Redenção.

Em Lucille, a história que as crianças aprendem na escola e em casa é que os anjos expulsaram todos os monstros da cidade, e não há mais nenhum motivo para ter medo. Elas aprendem que lembrar é importante, porque é esquecendo que os monstros voltam. Mas será que lembrar é o mesmo que contar uma história só até certo ponto, recusando outras possibilidades?

Porque se não existem mais monstros em Lucille, então por que Pet – um… monstro? Anjo? Monstranjo? – saiu de um quadro pintado pela mãe de Chimia, dizendo que estava ali para caçar um monstro na casa de Redenção? Agora, Chimia e o amigo enfrentam um dilema: como combater monstros se as pessoas não admitem que eles existem?

Com seu habitual jeito sensível e direto de olhar para as coisas, Akwaeke Emezi e suas personagens perguntam: quem são os monstros, afinal?

 

***

Nota da tradutora

Queride leitore,

Sim, já começamos a nota desse jeito, marcando um aspecto importantíssimo deste livro: o uso de neolinguagem, mais conhecida como “linguagem neutra” – mas, se nada é neutro, muito menos a língua e a linguagem, certo?

Em Água doce, primeiro livro de Akwaeke Emezi, que a Kapulana lançou em 2019, nós optamos por não nos aventurar ainda por esse mundo da neolinguagem, por diversos motivos. Na minha Nota da Tradutora naquele livro, sugeri que fizéssemos um pacto, para enxergar a “neutralidade” tão necessária para ler Akwaeke, no nosso “neutro” masculino da gramática normativa da língua portuguesa.

Porém, em Pet, eu, como tradutora e mulher lésbica/queer, e a Kapulana, como editora comprometida com a quebra de estereótipos da literatura e do meio editorial, sentimos que a hora era propícia para essa aventura. Assim, em Pet utilizei a neolinguagem para me referir a personagens que não têm gênero, ou são não bináries.

O que isso muda? Como isso impacta o processo de leitura?

Isso nós não podemos dizer, vai depender de cada ume, e de sua disposição a desbravar um novo jeito de se referir às pessoas, e, no caso de Pet, a… monstros? Anjos? Monstranjos?

Quero deixar claro aqui nesta Nota que sei que essa tentativa foi só isso: uma tentativa. A neolinguagem ainda é nova – como está ali na palavra, neo –, e muitos de seus usos ainda podem ficar 8 Pet confusos, ou restritos. Sei que minhas escolhas nem sempre foram perfeitas, mas foram tentativas sinceras de uma tradução mais preocupada com incluir e explorar possibilidades de linguagem.

Essa tentativa, esse desbravamento, foi baseada em muita pesquisa, leitura, e releituras da tradução para encontrar as melhores alternativas. Mas, principalmente, baseou-se em muitas conversas com amigues queer que pensam e usam a neolinguagem em seu dia a dia, que são não bináries e trans e vivem essa realidade não só linguística, mas pessoal. E também com amigues que traduzem e pensam essas alternativas em seu trabalho. Foi um esforço coletivo, como toda aventura deve ser.

Uma opção que fizemos, e que acho importante apontar especificamente, é tratar “monstros” e “anjos” como “monstros” e “anjos”, não modificando as palavras nem os artigos que as acompanham. Isso porque são palavras que de fato não dependem do gênero a que se referem – por exemplo, dizemos “ela é um monstro”. No livro, elu – Pet – é um monstro… ou um anjo?

As personagens deste livro – Chimia, Redenção, Pet, Azedume, Babosa, Musgo e outres – vivem em um mundo diferente do nosso, em que todo tipo de diversidade não é mais ponto de discussão – as pessoas têm o direito e o prazer de existirem como são. Por isso, foi óbvio para mim e para a Kapulana que este era o livro ideal para este… experimento.

Como tradutora, eu espero, mais do que tudo, que esta tradução crie pontes e diálogos – o que, acredito, este livro, por si só, já tenta fazer. Cabe a você, leitore, decidir se vai embarcar nessa com a gente, ou não.

Boa leitura, boa viagem a Lucille.

 

Carolina Kuhn Facchin Curitiba, julho de 2021.

 

 

 

Akwaeke Emezi nasceu em 1987, na Nigéria, em Umuahia, mas cresceu em Aba. Atualmente vive nos Estados Unidos.

Em 2017, recebeu uma bolsa do “Global Arts Fund”para realizar a videoarte de seu projeto The Unblinding, e uma bolsa “Sozopol Fellowship for Creative Nonfiction”.

Akwaeke identifica-se como Ọgbanje, palavra da cultura Igbo que significa um espírito intruso que nasce em uma forma humana, e que resultaria em uma criança com um terceiro gênero. Traduzindo isto para sua realidade terrena, Akwaeke nasceu em um corpo feminino, mas não é mulher, identificando-se como trans e utilizando pronomes neutros para se referir a si. No texto “Transition: My surgeries were a bridge across realities, a spirit customizing its vessel to reflect its nature”, publicado no site The Cut, Akwaeke fala de suas cirurgias e experiências para adequar seu espírito à realidade física.

 

 

A capa é de Mariana Fujisawa.

Mais informações, capítulo do livro e pré-venda, aqui: https://www.kapulana.com.br/produto/pet/

 

 

 




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