Pedra Só
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ESCUTA
O semeador da miragem
ouve dentro da tua fala,
lá onde está a busca da Luz,
do Sol do entendimento.
O vaqueiro da paciência
escuta os mandamentos
dos deuses do Sertão,
sábios sabiás mostrando,
de repente, o Instante.
E o cachorro late o presente
ao farejar a chegada da Aurora.
AURORA
A liberdade do crepúsculo tremula.
Escuto o alarido dos pássaros do Sertão.
Debruço-me no ninho do Cosmo.
Minhas mãos trabalham no vazio.
Minhas mãos trabalham na imensidão.
Longa batalha em busca da beleza.
Da boca dos pássaros, os violões do Sol.
Rezo benditos e grito os nomes da Terra.
Contemplo a mansidão do silêncio que voa.
As minhas sandálias são feitas de aurora.
De meus dedos esplendem labirintos.
Meu caminho é o strip-tease da solidão.
TIA AURORA
A casa de tia Aurora é um lugar
dentro do meu sentimento.
Tem um curral, um imbuzeiro,
dois bois vermelhos
e um vento cheio de azuis.
Eu lembro tanto da casa de tia Aurora.
Eu só não lembro direito da tia Aurora.
Dizem os mais velhos que ela
só saía de casa de manhazinha
e que, apesar da cara de totem,
ela era mesmo um mantra.
E era só ela abrir a porta
que o sol se espreguiçava,
os passarinhos faziam piruetas
e o dia sorria.
Tia Aurora tinha esse jeito
de começar!
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CASTELOS DE LETRAS
Castelos não aprisionam o silêncio
nem a fala louca de Deus,
profecias que intentam vencer o cansaço.
O livro sopra hieróglifos na tarde
e um anfíbio vela o mimetismo do tempo.
Pega o livro e constrói castelos de letras!
Vai, antes que a morte abra as portas da noite
e mostre sua fronte tranquila
e pergunte pelos teus feitos e achados.
Pega o livro!
A realidade é fazer o livro de novo,
com nova caligrafia codificar a jornada.
Ter o mistério na concha das mãos,
as palavras certas para os sons da lonjura,
a imagem do mundo dentro da pedra
e fazer com que os rituais da transparência
ganhem ritmos e formas.
PAVÃO MISTERYOZO
A juventude abriga a zoada,
bebe o vinho da aridez
e sente o gozo do oásis.
Em seu canto cabe
o voo imenso do Condor
para dentro de alguma paisagem.
Minha angústia pretende esse voo:
Ícaro partindo para o Sol:
maior de todas as transcendências.
E de repente voar diante dos homens,
Pavão Misteryozo, pássaro formoso,
mesmo sob essa longa indiferença.
Poemas do livro inédito Pedra Só, a ser publicado em setembro de 2012.
Ilustrações: Gustha!
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José Inácio Vieira de Melo (1968), alagoano radicado na Bahia, é poeta e jornalista. Publicou os livros Códigos do silêncio (2000), Decifração de abismos (2002), A terceira romaria (2005), A infância do Centauro (2007), Roseiral (2010) e a antologia 50 poemas escolhidos pelo autor (2011). Organizou as coletâneas Concerto lírico a quinze vozes (2004) e Sangue Novo (2011) e a agenda Retratos Poéticos do Brasil 2010 (2009). Publicou também o livrete Luzeiro (2003) e o CD de poemas A casa dos meus quarenta anos (2008). Participa das antologias Pórtico Antologia Poética I (2003), Sete Cantares de Amigos (2003), Voix croisées: Brésil-France (2006) e Roteiro da poesia brasileira – Anos 2000 (2009). Coordenador e curador de vários eventos literários, como o Porto da Poesia, na 7ª Bienal do Livro da Bahia (2005) e a Praça de Cordel e Poesia, na 9ª e na 10ª Bienal do Livro da Bahia (2009, 2011). Foi co-editor da revista de arte, crítica e literatura Iararana, de 2004 a 2008. Edita o blog Cavaleiro de Fogo: http://jivmcavaleirodefogo.blogspot.com/ E-mail: jivmpoeta@gmail.com
O ilustrador Gustha! edita o blog Deu mole eu traço:
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