Os Estados Unidos do Brasil
………….Os Estados Unidos do Brasil já têm seu George W.Bush
.
Já tinha visto acontecer antes. Em Nova York. Estive em New York, pela última vez, em setembro de 1999. Cheguei ali, no dia 11, portanto, dois anos antes do ataque às Torres Gêmeas. Eu não só já havia morado dois anos na cidade, nos anos 80, como passei 20 anos, indo praticamente todo ano pra lá, sem ficar menos de um mês. Da penúltima vez, em 1995, eu não vira nada de muito diferente. Era a mesma cidade que sempre me acolheu, como se eu fosse uma nativa, uma Dorothy Parker, uma Fran Lebowitz e, por que não?, o indefectível Woddy Allen. Porém, naquele 1999, quando pisei em Manhattan, vinda do Brooklyn, onde havia morado, eu quase não reconheci a minha cidade de adoção. Ela havia se convertido numa cidade redneck, hillbilly, como qualquer outra dos Estados Unidos, com direito a cowboys endinheirados invandindo todas as áreas que outrora couberam à cultura altenativa. A Pearl Paint, minha papelari a, baratinha e de uma autenticidade anárquica, ostentava preços exorbitantes e seus produtos eram arrebatados pelos “pescoços-vermelhos”- quem dera fossem os peles vermelhas!, com bolos de notas de muitos dólares. O Bonne Fides, meu restaurante favorito, um bistrô, comandado por estudantes de culinária, no Lower East Side do Village, tinha se tornado um restaurante de luxo, caríssimo e cafona. No Metrô, as pastilhas, antes sujas e charmosas, estavam lustrosas e conferiam aos subways ares de lavabo da Barra da Tijuca. A Strand, um sebo gigante, caindo aos pedaços, onde comprava livros a quilo por um dólar, era então uma livraria toda bonitinha, dessas que parecem uma boutique. As feirinhas, onde eu me vestia e adquiria itens curiosos, estavam caras e insossas. O Dan Lynch, meu boteco favorito, onde havia uma mesa de sinuca, um tablado tamanho tablóide, e JAM sessions que reuniam os melhores músicos de jazz, blues, funk e soul da cidade, que iam ali se diverti r, congregava, naquele momento, várias cabeças louras oxigenadas e o chopp, draft, com preços lá em cima também. E eu podia enumerar centenas de outras mudanças que me fizeram crer que Nova York não era mais New Amsterdam, mas New Kansas City. Voltei pro Brooklyn e dali não saí. No dia 29 de setembro, portanto, 10 anos antes do novo crash da bolsa, que determinou o início da crise econômica norte-americana, sonhei que pessoas se atiravam do World Trade Center e ouvi a palavra crash ecoar sonho adentro. Acordei dizendo que algo terrível iria acontecer em Manhattan. Meus amigos riram. Não que eu fosse profeta ou adivinha, mas, com um pouco mais de observação, quem conhecia bem Nova York teria notado que ela se convertera numa cidade careta, voltada exclusivamente para dinheiro e invadida pelos BoBos, Bourgeois Bohemian, um grupo que acredita piamente em duas coisas: mysticism and money. O rico culpado, que não tem um rolls-royce, mas dirige um SUV autossustent vel infinitamente mais caro. O yuppie neo-hippie, enfim.
Não deu outra. Dois anos depois, a resposta veio do céu. Allah mandou dois aviões em sinal de protesto, contra o maior centro financeiro do mundo.
Já que eu não tinha mais Nova York, ainda me restava minha segunda metrópole de adoção: São Paulo. Durante mais de 30 anos, frequentei a Paulicéia e quem me conhece sabe o quanto lhe devotei amor e admiração. Pois, desde 2009, tenho sentido em São Paulo o mesmo que senti em Nova York, em 1999. A cidade mais moderna – e pós-moderna, do Brasil, converteu-se numa roça. Em muitos momentos, eu me senti, nos cinco meses em que passei lá, numa quermesse, caríssima, calorenta, cheia de caipiras e os que não eram, eram yuppies, bourgeois bohemian e neohippies. Eu já havia advertido aos paulistanos do perigo da migração carioca. Dito e feito. Além de ter reuniões desmarcadas em cima da hora, e-mails sem resposta, ou mesmo bolos de profissionais competentes, encarei um regime do interior do Matogrosso, melhor, do midwest americano. Jantarzinho cedo, almoço cedo, café na padoca ao raiar do sol… vida boêmia, zero. Nova York era the city that never sleeps, que passou a ter este experiente. A edição autóctone repetiu a agenda. Mas o pior foi enfrentar uma passeata de ciclistas nus e a convocação para a grande luta do século XXI: o banimento das sacolinhas de plástico dos supermercados. E pior ainda: notar que a chamada cultura alternativa estava deslumbrada com a fama, que aqui na corte já é achincalhada, há décadas. Ou me deparar com proacs – prefiro prozacs! – e outras provas ginasianas, burocráticas, do tempo do Império. Isto para não falar dos sescs! Eu adorava o Sesc-Pompeia, que me recebia com pompa de Pompéia antes do Vesúvio entrar em erupção. Desta feita, eu me vi diante de um ginásio, que mistura piscina com espetáculos aguados e um corpo de funcionários, que só fala em férias, e apressa os profissionais como funcionários de repartição pública. Nem vou mencionar aqui os cachés ridículos que pagam a uma panelinha de artistas que seg ura aquele osso como se fosse um T-Bone steak. Aliás, como na Califórnia, todo mundo agora é vegetariano em Sampa, então, como se fosse alcachofra. Ora, quem nasce pra panelinha nunca chega a melting pot! Noves-fora: nada. Nem no teatro, nem no cinema, nem na literatura, nem na dança, vi nada de original. A grande novidade é o carioca Nelson Rodrigues. Mesmo nas artes plásticas, que estão bombando, os tapetes vermelhos eram para cariocas. Fui, em busca de inspiração, porque o monóxido de carbono e o cosmopolitismo antigo da cidade sempre me inspiravam. Não consegui escrever uma linha sequer. Pela primeira vez na minha vida, eu tive o chamado writers-block. Isto tudo, somado ao calor, então, foi a morte. Como quando de minha última estada em Nova York, onde só me senti bem quando fui pra casa de um amigo, no mato, upstate, desta vez, eu só me senti bem, num sítio em Gonçalves, MG, local que serve de spa bourgeois bohemian aos neopaulistanos. E agora minhas s uspeitas todas convergem para um ponto bastante revelador. A Nova São Paulo também se assemelha à New New York em outro fenômeno. Ela já tem seu George W. Bush. Russomanno, um imbecil com cara de pastel, vai ser o prefeito da cidade. Será que o devo chamar de Rudolf Giulliani, o prefeito que fez de Nova York uma Barra?! Não. Acho que é Bush mesmo. A Barra já está pavimentada. Resta agora esperar que Allah, ou outro emissário dos céus, atire aviões sobre a Bovespa. E assim os Estados Unidos do Brasil terão copiado seu original, no último pormenor. E, please, não digam que eu não avisei. Eu avisei a meus amigos nova-iorquinos, e eles fizeram chacota. Não sei se foi só influência carioca. Mas, na dúvida, resolvi voltar para o Rio de Janeiro. Disse Cioran sobre os Estados Unidos: ali é o único lugar onde as pessoas não são americanizadas, porque são americanas. Talvez o Rio de Janeiro, que ora recebe gente do Br asil inteiro, sobretudo de São Paulo, mereça comentário semelhante. Se é pra ver prancha de surf, na Paulista, fico por aqui mesmo. Aqui o mundo já acabou faz tempo. Nada mais me choca.
Além disto, eu adoro quermesse, festa junina, só em junho. Agora, caipira o ano todo, num arraial onde quase todo mundo fala com sotaque de telemarketing, é um pouco demais até para um folclorista workaholic. Por falar em workaholic, como disse Oscar Wilde, trabalho é coisa de quem não tem o que fazer. Constatei, com pesar, que, de fato, em SP, não há o que fazer, a não ser trabalhar. Como dizia Adolf Hitler, arbeit macht frei – N.T. só o trabalho liberta. Nesses tempos neonazistas, a marcha de workaholics tornou SP uma parada de esteiras rolantes velozes, que rumam ao nada.
Russomano será apenas a materialização de mais um mau pressentimento. Que Anita Malfati tenha piedade do paulistanos. É nóis! Até a próxima feira agropecuária, no Centro Cultural São Paulo.
.
Mathilda Kóvak é escritora, compositora, roteirista. Tem seis livros infantis editados e um sétimo no prelo – Rocco, além do livro “Contos da Era do Fax”, Ed. Mondrian, e o CD “Mahatmathilda, a evolução de minha espécie”. E-mail: madmath@uol.com.br
1 outubro, 2012 as 21:54
1 outubro, 2012 as 21:54
2 outubro, 2012 as 11:05
2 outubro, 2012 as 18:51
2 outubro, 2012 as 22:10
2 outubro, 2012 as 22:15
3 outubro, 2012 as 0:36
3 outubro, 2012 as 13:24
6 outubro, 2012 as 22:26