O leito de Procusto do fascismo


por Alexandre Gossn

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Quando se fala que o fascismo dá novamente às caras em nossa sociedade, evidentemente que não se está falando que o fascismo 4.0 seja idêntico ao seu bisavô. O movimento se adaptou, se permitiu modificar algumas marcas e claro, passou a parasitar a democracia ao invés de explicitamente propor destruí-la. O fascismo original se propunha demolir a democracia de fora para dentro, enquanto o risco do fascismo contemporâneo é corroer a democracia de dentro para fora, de modo a manter sua aparente forma, mas torná-la iliberal.

Mas se o fascismo mudou de embalagem e ferramentas, terá seu DNA também sofrido grandes alterações? Não. No essencial, o neofascismo, esse cruzamento do fascismo com o populismo não mudou. Ele continua sendo a perfeita representação mitológica do LEITO DE PROCUSTO. O fascismo não serve ao indivíduo, e sim, o indivíduo que serve ao fascismo. O fascista não tolera a diferença, a diversidade e nenhum traço de elitismo ou qualquer forma de destaque. Justamente por isso, o fascismo é um movimento anticientífico, antiacadêmico, antijornalístico, antiuniversitário, antiartístico e com obsessão pela a igualdade, mas não a igualdade isonômica, e sim, a igualdade daqueles que julga merecedores de serem “iguais”: os da sua etnia, do seu credo, da sua orientação sexual, da sua nacionalidade ou preferência política.

O fascismo não admite discordância, tampouco a pluralidade: não devem haver ideias, mas uma única ideia: a fascista. Justamente por isso, o fascismo não trata a discordância política como uma oportunidade para somar ou transigir. Ao invés de enxergar um diferente, o fascista enxerga um inimigo. E o que seria o LEITO DE PROCUSTO? Na mitologia, Procusto era um homem cruel que colocava suas vítimas em sua cama: se fossem menores que o leito, eram esticadas e distendidas até atingirem o tamanho “correto” e se fossem maiores que a cama, tinham suas pernas amputadas a fim de terem novamente o tamanho “certo”.

No essencial, o fascismo do século XX é igual ao fascismo do século XXI: é ação sem reflexão, é a política do nós versus eles, é a repulsa pela discordância, a intolerância com a pluralidade e a crença de que a força deve se sobrepor à dignidade humana e minoria deve se sujeitar à maioria custe o que custar. Tenebroso, mas real.

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Fascismo pandêmico: como uma ideologia de ódio viraliza – parte I

No mundo da infosfera só branco x negro. O cinza morreu?

Com o lançamento de meu terceiro livro, Fascismo Pandêmico: como uma ideologia de ódio viraliza?, farei breves reflexões em formato de colunas nas próximas semanas. O tema é espinhoso: adversários políticos – sem nenhum amor à precisão de conceitos filosóficos e políticos – têm atirado sobre si epítetos como fascista, comunista entre outros.

Com o envenenamento das relações sociais causado pelas bolhas interneticas, de repente, todos à minha esquerda são comunistas e todos à minha direita são fascistas. Progressistas? São comunas. Conservadores? Só podem ser fascistas. Enquanto a política lastreada na diversidade apregoada pelo liberalismo habita um universo multifacetado, multidimensional e repleto de cores e nuances, a política infosferica venera a linguagem binária do branco x preto, do nós versus eles.

Quando uma dinâmica como essa se instala, em geral nos referimos a nossos adversários com os nomes mais feios que pudermos utilizar.

Essa utilização indevida de nomes que extravasam a qualidade de meros substantivos, mas representam muito além, se referindo a conceitos complexos, nada reducionistas e que tratam de temas sensíveis à humanidade, é uma característica bem marcante da hiperhistória, fase em que a nossa sociedade pós-moderna se encontra.

Repentinamente, as coisas não precisam mais ser o que são, mas podem ser o que quero que sejam. Se você diz Lula Livre é Comunista e se diz Brasil acima de tudo, é fascista. Será que as coisas podem ser assim tão simples?

Apresentada a nossa proposta, em meus próximos textos, iniciarei um exame detido sobre o quê foi e o quê pode ser o fascismo hoje, tentando fugir de todos estes arroubos retóricos assinalados acima.

Tentarei responder questões que me impactaram profundamente durante o processo de pesquisa e escrita de Fascismo Pandêmico, tais como:

– o fascismo é nacional ou universal?

– o fascismo realmente morreu ao término da Segunda Guerra Mundial?

Trarei outras questões, mas vamos dar um passo de cada vez. Até breve.

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Alexandre Gossn, escritor, mestre em Direito Ambiental, Advogado e pós-graduando em ética e Filosofia. Autor, entre outras, das obras Liberdade, Metamoralidade & Progressofobia e Cidadelas & Muros: como o ser humano se tornou um animal urbano. Site: www.alexandregossn.com.br Email: contato@alexandregossn.com.br




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