O fanatismo por Amós Oz


.
Como curar um fanático
(Companhia das Letras, 2016), do escritor israelense Amós Oz, é uma seleção de ensaios, concebidos como palestras entre os anos 2002 e 2015, e de uma entrevista, concedida pelo escritor em 2012.

É interessante pensar que dois ensaios são de 2002, um ano após o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos, e um outro é de novembro de 2015, logo após os ataques terroristas em Paris. Mas não pense o leitor que Amós Oz aproveita a oportunidade para incriminar árabes e, com isso, insuflar uma guerra ou o ódio entre ocidente e oriente. Ao contrário, o escritor se vale desses acontecimentos marcantes para discutir o conceito de fanatismo e propor antídotos a esse mal que, segundo ele, é mais antigo do que o islã, do que cristianismo e do que o judaísmo.

O fanatismo, afirma o escritor, é “mais velho do que todas as ideologias […], é um componente permanente da natureza humana, um ‘gene ruim’ que existe em quase todos nós”. O fanatismo nasceria, na maioria das vezes, da “vontade imperiosa de modificar os outros pelo próprio bem deles” e, para tanto, ele pode tudo, até matar o outro, ou os outros, desde que ele extirpe o mal: “tem a ver com a típica reivindicação fanática: se eu acho que algo é ruim, eu o mato junto com seus vizinhos”.

Na opinião de Amós Oz, o fanatismo tem crescido na medida em que questões complexas são respondidas de forma simples, com uma única sentença, com uma simples divisão entre o certo e o errado.

O escritor traz à tona o conflito entre Israel e Palestina, com o mundo dividido entre os que são a favor de um e contra o outro. Oz não acredita em divisões; se acreditasse, seria um fanático. Ele propõe uma ampla visão dos acontecimentos, que não se resume na dicotomia do bem e do mal típica dos filmes de faroeste ou dos contos de fadas: “Os palestinos querem a terra que eles chamam de Palestina. Eles têm muitas e fortes razões para querê-la. Os judeus israelenses querem exatamente a mesma terra precisamente pelas mesmas razões, o que proporciona um perfeito entendimento entre as partes, e uma terrível tragédia”.

Oz tem consciência de que qualquer acordo será considerado injusto pelas partes, mas é necessário que haja um “compromisso” delas pela paz: “a palavra ‘compromisso’ significa vida. E o contrário do compromisso não é idealismo, é fanatismo e morte”. O compromisso não significa satisfação, mas uma aptidão racional para, às vezes, “fazer sacrifícios e concessões” em nome da paz. Lembro que Oz é cofundador do movimento pacifista “Paz Agora”.

Os fanáticos estão por toda parte: entre os torcedores de futebol, os partidários políticos, os religiosos; alguns são mais nocivos outros menos, mas não deixam de ser pequenos bitolados que não conseguem conceber uma outra perspectiva. Devo concordar com Amós Oz quando ele afirma que um gene de fanatismo é, “infelizmente, uma parte onipresente da natureza humana”.

Há formas de combater o fanatismo e, segundo Oz, a curiosidade é uma delas. O escritor conta que sempre se perguntou como seria ser um palestino, como seria viver na sua pele e sonhar os seus sonhos; apesar disso, ele afirma, “continuo sendo um judeu israelense. Isso não me tornou um palestino, ou me fez adotar a narrativa palestina […]. Mas me inspirou a buscar um acordo baseado em concessões mútuas, um acordo de compromissos”.

Outro antídoto ao fanatismo é a boa literatura, que injeta imaginação nos leitores, que é capaz de abrir um “terceiro olho na nossa testa”. Oz “receita”, por exemplo, Shakespeare, em cuja obra toda forma de fanatismo “termina ou numa tragédia ou numa comédia. O fanático nunca fica mais feliz ou mais satisfeito no final; ou está morto ou vira uma piada”. O escritor faz um alerta para a má literatura, que apenas vai reforçar clichês e repetir “o que já sabemos, e nos mostrar apenas o que já vimos”.

Por fim, outra forma de evitar o fanatismo é preservar o humor (“nada é tão sagrado que não mereça uma zombaria ocasional”), o ceticismo e a argumentatividade.
.

 

 

 

 

 

 

 

 

.

Dirce Waltrick do Amarante é professora do Curso de Artes Cênicas da UFSC, autora de As antenas do caracol: notas sobre literatura infantojuvenil Pequenas biblioteca para crianças: um guia de leitura para pais e professores, ambos publicados pela Iluminuras. Tradutora de Alice no país das maravilhas, publicada pela Rafael Copetti Editor. E-mail: dwa@matrix.com.br

 




Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook