O anão e a ninfeta


Claquete: Dalton Trevisan escrevendo: corta, corta.

 

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Escrever é cortar. Cortar todos os excessos da fala. Escrever bem é cortar mais ainda os excessos já cortados. O escritor não nasce feito. Tornar-se um bom escritor é lapidar sempre a forma de dizer as coisas, de contar histórias. Chega de teorias, de malabarismos com a língua. O menor caminho entre dois pontos é uma reta, para que tantas metáforas e neologismos? Dalton Trevisan escreve o que a grande massa de leitores brasileiros que não lêem gostaria de ler. Ele pega o texto e espreme no multiprocessador dando ao leitor a rigorosa qualidade que ele merece. É honesto, não engana com malabarismos, falsa erudição ou moral da história. Dá a jóia lapidada com o verdadeiro brilho.

O livro de Dalton Trevisan é um almanaque de variedades: com contos, poemas e anedotas. Pela ordem: os contos são grandes e pequenos e, como era de se esperar, ele se sai melhor nos menores. Os poemas são de linguagem popular, lembrando a verve, guardadas as proporções, do poeta Patativa do Assaré (difícil evitar a alusão). No conto “O Velho Poeta”, jocosamente o autor fala do pássaro Patativa. Talvez isso denuncie a afinidade. As anedotas na verdade são contos tão condensados que caiem no anedotário. A característica de almanaque é um apelo, espontâneo, para o interesse do grande público pelo livro.

Tudo no livro parece ser intrinsecamente popular. As orelhas trazem o poema “O Coração”. O melhor poema do livro. E os poemas, como falei, são populares, lembram as trovas, as cantorias do nordeste brasileiro e as do sul do país. Com maior identidade para as do nordeste que são orais. Mas não é só isso, os poemas são quase como pequenos contos, visto o poder de concisão em narrar uma história do qual o autor é dotado.

O escritor está sempre buscando o corte perfeito. Quanto mais ele conseguir dizer com o menor número possível de palavras melhor. Tomemos dois escritores para ilustrar o enunciado: Caio Porfírio Carneiro e Ferreira Gullar. Ambos maiores de 80 anos e com carreira consolidada. O primeiro, um mestre do conto, nos últimos anos tem nos apresentado contos curtos bem cortados, com precisão cirúrgica, pelo seu bisturi afiado. O Gullar descobriu que a poesia nasce do instantâneo, de um simples acaso da vida, e tem feito poesia limpa (um contraponto ao seu Poema Sujo) de palavras. Usando somente as palavras necessárias para registrar um fato cotidiano nunca antes notado.

O Vampiro de Curitiba começou sua carreira de escritor já sabendo domar as palavras. Chega a esse livro, depois de dezenas deles publicados, como um domador das palavras no grande circo literário brasileiro. Falo em circo e lembro a inveja (ou seja lá qual for o sentimento ou o motivo) que o escritor, também paranaense, Miguel Sanches Neto, deve sentir do velho vampiro devorador de palavras, a ponto de parodiá-lo num romance (Chá das Cinco com o Vampiro) que fez “sucesso” pelo fato de Dalton Trevisan está nas entrelinhas. Bem, inveja é o que mais temos no nosso pobre cenário da literatura atual, que, se não fosse, por uns poucos sobreviventes, nem existiria.

 

 

O ANÃO E A NINFETA

DALTON TREVISAN

RECORD

160 PÁGS.

 

 

 

 

 

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Cláudio Portella (Fortaleza, 1972) é escritor, poeta, crítico literário e jornalista cultural. Autor dos livros Bingo! (2003), Melhores Poemas Patativa do Assaré (2006; 1º Reimpressão, 2011), Crack (2009), fodaleza.com (2009), As Vísceras (2010), Cego Aderaldo (2010), o livro dos epigramas & outros poemas (2011) e Net (2011). Colabora em importantes jornais, revistas e sites do Brasil e do exterior. E-mail: clautella@ig.com.br




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