Inevitavelmente poeta
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“Da Poeta ao Inevitável” é o livro de estreia de Maria Giulia Pinheiro, editado em novembro de 2013 pela editora Patuá. Nele a jovem poeta paulistana apresenta um projeto claro de elaboração e encenação do amor a partir da voz lírica feminina. A seção inicial, que vai do poema “Poeta” ao “Inevitável”, percorre justamente uma via que não exclui a confissão apaixonada, preferindo abraçá-la despudoradamente.
“Tão difícil gostar sem ser cafona!”, verseja, trabalhando e retrabalhando o prosaico das relações e dos discursos amorosos. Em “Ao Beija-Flor”, a linguagem coloquial, o uso reiterado do brega estrangeirismo “beibe”, bem como o pastiche de frases feitas como “faço tudo por você” (alguém mencionou Lulu Santos?), tecem um fio de consciência irônica, que culmina com a súplica: “mas não diga, Beija-flor,/ o óbvio”. Como superar o “demodê” de uma palavra tão desgastada como amor? A resposta mais justa é entregue em “Paixão em dois pulsares”, a síntese cinematográfica do cara a cara apaixonado.
Em outros momentos, Maria Giulia se desloca em direção ao erótico, com evocações sólidas e violentas – um homem espera a amante em casa com sua “tesoura do costume” -, propondo, como assinala em um de seus versos, jogar-nos seus ácidos. E o que mais corrosivo do que uma jocosa anedota sobre a gravidez do papa, para mencionar apenas um dos poemas de veia satírica? Maria não se poupa, lançando aos olhos do respeitável público todos os seus fluidos: “meu sangue no tapete/ do escritório”.
Sua poética é definitivamente uma poética do corpo, desdobrado em um caleidoscópio imagético. Como bem coloca o professor Welington Andrade no prefácio, “é o exercício daquela escritura do corpo de que nos fala Roland Barthes”. “Uhum” apresenta um sistemático desmantelo da carne, posto em moção por um rito sexual antropófago, que tange os limites do incorpóreo, do indizível. Ao fim, só nos sobra o poder sugestivo das interjeições: “aham/ aham./ uhum.”
E o corpo revelado pela poeta é, constantemente, uma presença em transfiguração, afetada pela guerra sem quartel da metáfora. Assim, a voz humana que nos sopra impropérios líricos eventualmente se torna “cão”, mundana, ou até mesmo alguma das deusas do Olimpo, divina. Aliás, é na seção intitulada “Seis Deusas” que residem alguns de seus mais fortes textos, como “Per se” e “Afrodisíaca”.
Transitando pelos domínios do prosaico e do extraordinário, do sagrado e do profano, Maria Giulia constrói um livro substancial. Uma ressalva: a abundância de poemas, em sua maioria relativamente longos, subtrai aos textos mais interessantes um pouco de sua capacidade de ressonância. O volume é irregular, porém generoso, reservando-nos diversos momentos de sensibilidade e lirismo. Mais uma saborosa estreia promovida pela Patuá, que tem privilegiado os novos escritores. Fique atento aos próximos jorros cáusticos da poeta.
Para conhecer melhor os textos de Maria Giulia Pinheiro, acesse: http://oconvento.wordpress.com/
Livro: Da Poeta ao Inevitável
Autor: Maria Giulia Pinheiro
Gênero: Poesia
Número de Páginas: 166
Formato: 15×20
Preço: R$ 30 + frete (Livro em pré-venda. Amigos e leitores de outras cidades que realizarem a compra antes do lançamento receberão o livro autografado após o evento. Aproveite!)
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Dante Felgueiras (1988) é jornalista paulistano. Também arrisca alguns poemas, que publica em um blog compartilhado com três amigos: http://oprosario.blogspot.com.br/ E-mail: felgueiras88@gmail.com

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