E o prêmio não vai para…
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Trazendo para realidade brasileira: quantos prêmios literários de prestígio há no país? Imagino que para ser de prestígio legítimo deva ofertar digna soma em dinheiro. O que muitos não fazem. O de maior “prestígio” paga uma mixaria. E está cada vez mais envolvido em atrapalhadas.
O escritor profissional, o que não veio para engabelar ou fazer pose, está sempre precisando de dinheiro. O que não o diferencia da grande maioria dos trabalhadores. Essa era a realidade do escritor Thomas Bernhard que também precisava do dinheiro que ganhou em seus prêmios: comprou um carro e sua casa de morada com eles.
Recapitulando: quantos prêmios literários sérios há no Brasil? Pouquíssimos! E aí não entra apenas o valor financeiro do prêmio ou a sua tradição. A realidade é que não são sérios. Seus critérios de premiação são: conchavos de classe ou mercadológicos (ou os dois juntos) embebidos com o velho e bom jabá.
O livro é mais que um desabafo das atrapalhadas cometidas pelas distinções dos prêmios literários que Thomas Bernhard recebeu. Talvez os prêmios até sejam panos de fundo. Bernhard casa cada um dos prêmios que recebeu com relatos biográficos. É uma autobiografia informal do autor. Crônicas, com humor sarcástico, onde o autor revela muito do seu temperamento e da forma como encarava seu trabalho literário.
O humor sarcástico, bem aplicado, não é decorrente de falta de caráter. É justamente o contrário. Por ter personalidade é que Bernhard não foge da crítica à falta de princípios como os prêmios literários são outorgados. Faz de sua experiência pessoal um abaixo assinado representativo de como são os prêmios literários no mundo ocidental.
É leviano dizer que os prêmios literários europeus usam “métodos” semelhantes aos das Américas?
No tocante a crenças nos prêmios literários, exemplar é a crônica (vamos mesmo chamar de crônica) em que o escritor fala do Prêmio Nacional Austríaco de Literatura. Nela o escritor nascido Holandês, mas um cidadão austríaco, fala de sua descrença total no Estado, mesmo assim, endividado, e pensando ser justo arrancar todo o dinheiro possível (o recebimento da premiação) do Estado, aceita o prêmio. A solenidade é hilária, em pleno discurso (o livro traz alguns discursos de Bernhard. Esse discurso está no livro. É pequeno, mas de uma sutileza grandiosa) de agradecimento o escritor é xingado pelo Ministro da Cultura que sai do auditório batendo a porta com força.
Por que será que os escritores de verdade não acreditam nas políticas literárias do Estado?
O jeito é fingir que não desconfiamos de nada e continuar escrevendo. “Meus prêmios” ensina justamente isso, como ignorar as distinções, por mais que sirvam de eventual fonte de renda para o escritor profissional, o que não escreve para ganhar concursos (existem escrevinhadores que se especializam em produzir textos moldados para ganhar todo tipo de concurso literário que abra inscrição), e tirar proveito da situação escrevendo não somente textos autobiográficos, mas crônicas de uma geração e de um tempo que parecem terem ficado esquecidos no diploma de um prêmio pendurado na parede.
No capítulo dos discursos há também uma declaração de desligamento de uma Academia literária alemã. É que empossaram um ex-presidente da República para tal Academia e o escritor que já desconfiava da Academia perdeu a fé por completo. Aliás, ex-presidente em Academia de letras me parece uma história familiar.
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MEUS PRÊMIOS / THOMAS BERNHARD / TRADUÇÃO SÉRGIO TELLAROLI / COMPANHIA DAS LETRAS / 112 PÁGS.
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Cláudio Portella (Fortaleza, 1972) é escritor, poeta, crítico literário e jornalista cultural. Autor dos livros Bingo! (2003), Melhores Poemas Patativa do Assaré (2006; 1º Reimpressão, 2011), Crack (2009), fodaleza.com (2009), As Vísceras (2010), Cego Aderaldo (2010), o livro dos epigramas & outros poemas (2011) e Net (2011). Colabora em importantes jornais, revistas e sites do Brasil e do exterior. E-mail: clautella@ig.com.br
23 novembro, 2012 as 22:50