Dois poemas, duas pinturas
PARQUE
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São apenas três manchas brancas sobre as plantas do jardim
e outra azul mais pequena mesmo posta ao lado dum banco de tábua
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E nós pensamos: uma para as saudades, a segunda para os remorsos
a terceira para os que tentam reter a tosse que os sufoca.
Mas a quinta mancha é cinzenta. E apesar de fria como um sobressalto
pesa-nos no peito, pesa-nos na memória e revolve-se
no ventre enquanto tentamos reflectir angustiados.
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Uma lua e um sol estão sobre a silhueta de um animal morto
hirto, com estranhos círculos no lombo, os olhos cintilando
como alguém escondido numa viela cheia de lixo.
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A vossa vigília durará até que os ramos se afastem
que o transeunte de acaso de repente caia de joelhos
ante a noite que chega, guardando um grito na garganta
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e fale mansamente olhando as árvores que desaparecem na luz.
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PLANISFÉRIO
Gira o tempo, gira o mundo, gira o olhar na direcção do sol e o que gira é a nossa estrela polar, o nosso horizonte transtornado apanhado pelo negrume azulado da lua, o firmamento de tudo sobre a nossa casa, o nosso corpo e a visão da matéria planisférica, violeta na manhã, branca na tarde, multicolor no dia que corre transborda se petrifica nas palavras nas cores e visões, nos desenhos do interior do corpo, da criação do mundo e do mar que rodeia os continentes imaginados que somos que fômos que seremos quando o espírito a glória do senhor das formas for simplesmente um universo terreno e com tudo na sua existência fluvial e matérica de Atlas imenso nos traços da nossa fotografia completa.
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[in “ESCRITA E O SEU CONTRÁRIO”].
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