Dois poemas, duas pinturas


PARQUE

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São apenas três manchas brancas sobre as plantas do jardim

e outra azul mais pequena mesmo posta ao lado dum banco de tábua
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E nós pensamos: uma para as saudades, a segunda para os remorsos

a terceira para os que tentam reter a tosse que os sufoca.

Mas a quinta mancha é cinzenta. E apesar de fria como um sobressalto

pesa-nos no peito, pesa-nos na memória e revolve-se

no ventre enquanto tentamos reflectir angustiados.
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Uma lua e um sol estão sobre a silhueta de um animal morto

hirto, com estranhos círculos no lombo, os olhos cintilando

como alguém escondido numa viela cheia de lixo.
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A vossa vigília durará até que os ramos se afastem

que o transeunte de acaso de repente caia de joelhos

ante a noite que chega, guardando um grito na garganta
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e fale mansamente    olhando as árvores que desaparecem na luz.

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PLANISFÉRIO

Gira o tempo, gira o mundo, gira o olhar na direcção do sol e o que gira é a nossa estrela polar, o nosso horizonte transtornado apanhado pelo negrume azulado da lua, o firmamento de tudo sobre a nossa casa, o nosso corpo e a visão da matéria planisférica, violeta na manhã, branca na tarde, multicolor no dia que corre transborda se petrifica nas palavras nas cores e visões, nos desenhos do interior do corpo, da criação do mundo e do mar que rodeia os continentes imaginados que somos que fômos que seremos quando o espírito a glória do senhor das formas for simplesmente um universo terreno e com tudo na sua existência fluvial e matérica de Atlas imenso nos traços da nossa fotografia completa.

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[in “ESCRITA E O SEU CONTRÁRIO”]

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Nicolau Saião é poeta, pintor, publicista e actor/declamador, nasceu em Monforte do Alentejo em 1946. Vive em Portalegre, Portugal. Como pintor participou em mostras de Arte Postal em diversos países (Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Austrália, Mali…), além de ter exposto individual e colectivamente em diversas localidades (Paris, Lisboa, Porto, Elvas, Tiblissi, Portalegre, Messina, Borba, Campo Maior, Sevilha…). Organizou, com Mário Cesariny e Carlos Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso”, patente no Teatro de Xabregas e na Soc. Nac. de Belas Artes ( tendo traduzido diversos autores incluídos no livro-catálogo) e, com João Garção, a mostra de mail-art “O futebol”.Está representado em diversas antologias de poesia e pintura. Traduziu “Os fungos de Yuggoth” de H. P. Lovecraft e “Vestígios” de Gérard Calandre, bem como poemas avulsos de Benjamin Péret, Derek Soames, Jules Morot, Emílio A. Westphalen, Jacques Tombelle, Edward Burton, Philipe Dennis, Juan Ramón Jimenez, Philip Jose Farmer, etc. Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes” (Editorial Caminho). Outros livros: “Flauta de Pan, “Os olhares perdidos, “Assembleia geral”, “Passagem de nível”, “Os labirintos do real“ – publicados. “Cantos do deserto”(poemas relacionados com o deserto de Tabernas, Espanha), “As vozes ausentes”(crónicas e textos diversos), “As estrelas sobre a casa”(teatro), “Em nós o céu”(novela policial). E-mail: nicolau19@yahoo.com

 




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