Discurso de Augusto de Campos


…………………DISCURSO DE AUGUSTO DE CAMPOS  – 9/11-2015

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Quero afirmar, desde logo, que estou muito grato e honrado com a atribuição da Ordem do Mérito Cultural e penso expressar o sentimento de todos os agraciados.

No que me diz respeito, confesso que não estou habituado a receber reconhecimentos desse porte. Tenho quase 70 anos de labor literário, iniciado em 1948, aos 17 anos, com a publicação de um poema de minha autoria em jornal de São Paulo, por iniciativa do grande historiador do nosso Modernismo, Mário da Silva Brito, amigo pessoal de Oswald de Andrade, ao qual fomos por ele apresentados no ano seguinte, Décio Pignatari, meu irmão Haroldo de Campos e eu. Oswald sentia-se só e desacreditado. Viu alguma luz naqueles jovens, porque nos deu, a cada um de nós, um raro volume de suas Poesias Reunidas O. Andrade, que tinham só 200 exemplares de tiragem. Pouco depois nos presenteava,  a Haroldo e a mim, com um livro ainda mais raro, a primeira edição do seu romance-invenção Serafim Ponte-Grande, com a dedicatória “aos irmãos Campos, firma de poesia.”

Como o de Oswald, nosso percurso literário não se passou em calmarias. A partir do momento em que Décio, Haroldo e eu lançamos, em dezembro de 1956, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o movimento da Poesia Concreta, enfrentamos, durante quase meio  século,  uma oposição renitente e destemperada. Basta dizer que uma crítica literária chegou a comparar a nossa poesia à bomba de Hiroshima.

No entanto,  nada mais estávamos fazendo do que  renovar a arte poética, propondo uma concepção interdisciplinar para a sua elaboração  — a de uma poesia “verbivocovisual”, na expressão que tomamos de James Joyce — para colocá-la em sintonia com a evolução e com o progresso, antecipando a revolução tecnológica das últimas décadas. A repercussão internacional da poesia concreta calou a oposição mais ferrenha.

Disse  o escritor Rex Stout, através de um personagem famoso, o anti-Sherlock Holmes de um de seus romances policiais, uma frase singular: “Só os pessimistas têm surpresas agradáveis”…

Foi assim, com muita surpresa, que recebi a comunicação do Ministro da Cultura do Chile segundo a qual me havia sido atribuído, por decisão unânime dos Jurados, o Prêmio Iberoamericano de Poesia “Pablo Neruda”, o primeiro concedido a um brasileiro, prêmio esse que me foi entregue oficialmente pela Presidenta Michelle Bachelet, há pouco mais  de um mês, em 7 de outubro.

Mas é com redobrada emoção que recebo  agora esta homenagem, assim como a honraria que me é concedida pelas mãos da Presidenta Dilma Rousseff, acima de tudo como um gesto cívico de solidariedade a esta que sempre vi como heroína da luta pela democracia, nos abomináveis tempos da ditadura, e que neste momento vejo resistir, com a mesma firmeza e coragem, àqueles que tencionam, ingloriamente, malferir a integridade das nossas instituições democráticas.

 

 




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