DANIELLE em surdina, langsam


………….Danielle em surdina, langsam, de Gilberto Mendes

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Aos 91 anos de idade o maestro santista Gilberto Mendes, um dos mais criativos músicos de vanguarda do país, ainda em atividade, criador do  Movimento Música Nova, lançou uma novela simpática, Danielle em surdina, langsam (Algol Editora). O livro foi autografado numa tarde nublada e anunciando frio na Pinacoteca de Santos, diante do Oceano Atlântico, para uma leva de amigos e curiosos quanto ao que esse enfant terrible da cena musical teria a dizer. Evocou-se Santos, a Pinacoteca, o Oceano Atlântico, não à toa, pois essa paisagem ambienta a novela numa época já perdida no tempo mas que ainda ressoa da memória do músico.

O subtítulo “em surdina, langsam”, avisa: é uma estória narrada em tom abafado e lentamente… Os personagens são jovens, tímidos e apaixonados, que tateiam um namoro em meio aos desejos de serem músicos. Trata-se de uma novela sentimental, embalada pela música de Fauré-Debussy e os versos de Verlaine – “Praias silenciosas e solitárias, au calme clair de lune, triste et beau… A misteriosa melodia de Fauré para os versos de Verlaine, em meus ouvidos…” A ingenuidade dos personagens, marca de sua juventude, se expressa nitidamente em suas falas e a voz do narrador vai crescendo e se contrastando a isso com um citacionismo enciclopédico que relaciona músicas, filmes, lojas de comércio e tudo o mais, formando um universo de coisas e lembranças que remete à Santos antiga, aos anos de ouro do autor, amplamente relatados em suas memórias no livro Viver sua música, publicado pela Realejo/Edusp.

A ingenuidade dos jovens, assim descritos, parece fazê-los sucumbir diante do enciclopedismo escrito que uma vida em formação terá que enfrentar, mas a novela termina com uma espécie de “felizes para sempre”, tal como um dos tantos filmes em preto e branco assistidos pelo autor e que ecoam no livro maiores que a própria vida que se vive porque eivados de fantasia. Mas Daniel, o personagem músico da novela, tal como o autor, ecoando sua biografia, atravessa a Europa em busca de suas referências musicais até chegar a esse final, feliz para sempre de ter respondido ao seu tempo. Daí também a hiperbolesca apresentação feita por Flávio Viegas Amoreira ao livro, em seu estilo habitual que carrega na adjetivação e cuja palavra “Oceânico” parece ser a menor entre tantas que vão se apoiar em Fellini, Thomas Mann, Schumann etc etc para ele mesmo declarar amor e carinho a esse maestro que acrescentou música à orla de Santos, à qual se conjuga o som discreto das ondas do Atlântico, basta afinar os ouvidos e ouvir.

 

 

 

 

 

 

 

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Ademir Demarchi nasceu em Maringá e reside em Santos há 15 anos, onde trabalha como redator. Formado em Letras/Francês, com Mestrado pela Universidade Federal de Santa Catarina (1991) e Doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (1997), foi editor da revista Babel, de poesia, crítica e tradução, com seis números publicados de 2000 a 2004. É autor de Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná (Imprensa Oficial do PR, 2002); Volúpias (poemas, Florianópolis: Editora Semprelo, 1990); Espelhos incessantes (“livro de artista” com poemas do autor e gravuras de Denise Helena Corá, edição dos autores, Santos: 1993; exposto no Museu da Gravura em Curitiba no mesmo ano); Janelas para lugar nenhum (poemas, com linoleogravuras de Edgar Cliquet, edição dos autores, Santos: 1993; lançamento feito em Curitiba, no Museu da Gravura, no mesmo ano). Além desses trabalhos, o autor tem também poemas, artigos e ensaios publicados nos livros Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná; 18 Poetas CatarinensesA mais nova geração deles (ed. e org. Fábio Brüggemann, FCC Edições/Editora Semprelo, 1991); Os mortos na sala de jantar (Realejo Livros, 2007) e Passeios na Floresta (Editora Éblis, Porto Alegre, 2008). Publica também em periódicos como Literatura e Sociedade (São Paulo, USP); Medusa (Curitiba); Coyote (São Paulo), Oroboro (Curitiba),  Jornal do Brasil/Idéias; Rascunho (Curitiba); Jornal da Biblioteca Pública do Paraná; Babel (Santos); Sebastião (São Paulo); Los Rollos del Mar Muerto (Buenos Aires, Argentina) e sites,  entre eles,  as revistas eletrônicas Germina, Agulha, El Artefacto Literario, Tanto e Critério. E-mail: revistababel@uol.com.br




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