Aridez, solidão e silêncios compartilhados
“Ethan Frome”: aridez, solidão e silêncios compartilhados
Autora norte-americana (1862-1937), Edith Wharton fez muito sucesso em toda a sua prolífica carreira literária. Publicou mais de quarenta títulos, entre romances, contos, poesias e ensaios. Seu livro mais conhecido entre nós é A idade da inocência, (The Age of Innocence), lançado em 1920, o que fez dela a primeira mulher a ganhar o Prêmio Pulitzer de 1921. Setenta anos depois esse texto foi adaptado para o cinema (1993) por Martin Scorsese, tornando-se um sucesso de bilheteria.
Mesmo sendo uma escritora bastante premiada, é incrível notar que poucos de seus títulos tenham sido lançados no Brasil. Apostando na boa receptividade por parte do público, a Editora Penalux acaba de lançar uma de suas obras mais interessantes: Ethan Frome, escrito nos primeiros anos do século 20.
A história se passa na Nova Inglaterra, região fria e inóspita do nordeste dos Estados Unidos, sempre coberta de neve, de chuva e de uma vegetação muito típica da região. Ela gira em torno de Ethan, sua esposa e uma prima dela, que vivem praticamente isolados, nas proximidades da cidade ficcional de Starkfield. O texto mostra essa aridez por meio de todos os personagens e da forma como eles se comunicam. Ou melhor, como quase nada se comunicam, e esse é o ponto alto desta obra.
A escritora Maria Valéria Rezende, em seu texto de apresentação desta edição, compara o clima da narrativa de Ethan Frome à de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, cujo cenário é o sertão nordestino, de terras áridas e quentes, e onde só sobrevivem poucos cactos e juazeiros.
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“Ela se aconchegou um pouco mais sob a pele de urso, de modo que,
olhando de lado por sobre a manga de seu casaco, ele conseguia
apenas divisar a ponta de seu nariz e uma onda de
cabelo castanho soprada pelo vento.
Subiram lentamente pela estrada entre os campos que cintilavam
sob o sol suave e, depois fizeram a curva a direita, descendo por
uma vereda (….) que se transformou num bosque de pinheiros (…).
Ali a neve era tão pura que as pequenas pegadas de
animais selvagens formavam intrincados desenhos
que se enredavam, e os cones azulados caídos ao chão
se erguiam como ornamentos de bronze.”
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Diz Maria Valéria ainda comparando Vidas Secas com Ethan Frome: “Nos dois casos os protagonistas são quase destituídos de palavras, vivendo em situações de extremo isolamento, de tal forma que, para levar o leitor a perceber sua subjetividade, a pôr-se de algum modo ´no lugar deles`, os autores recorrem à economia de vozes, emprestando sua própria voz – ou a de um narrador externo – à paisagem e aos objetos com que lidam os personagens para sugerir seus sentimentos, sofrimentos, desejos, ilusões, sua coragem e seus medos”.
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“Mattie permaneceu em silêncio, suas mãos apertadas
na costura – e a Ethan pareceu que uma cálida torrente fluía em
sua direção através da tira de pano que ainda se
estendia não desenrolada entre eles. Cautelosamente, ele deslizou a
palma de sua mão por sobre a mesa até que seus dedos tocaram
a extremidade do pano.
Uma débil vibração das pálpebras dela pareceu demonstrar
que ela estava consciente de seu gesto, e que este lançara
uma contracorrente de volta a ela, levando-a a deixar
as mãos imóveis na outra ponta do tecido”.
“Havia coisas que ele tinha que dizer a ela antes que se separassem,
mas não conseguia dizê-las naquele lugar de lembranças de verão,
e ele se virou e seguiu-a em silêncio até o trenó.”
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O que encanta em Ethan Frome é justamente esse modo como Edith Wharton diz muito com muito pouco. Sem floreios, dura como a vida daqueles personagens, sua linguagem busca retratar como era a vida naqueles rincões, nos colocando no cenário e nos tornando cúmplices daquelas pessoas com emoções pouco expressadas. Tarefa dificílima para qualquer tradutor. Feliz a escolha do premiado escritor Chico Lopes para a missão. Muito fiel ao original, mas buscando tornar a linguagem inteligível nos dias de hoje, Chico conseguiu traduzir as nuances da linguagem de Wharton, cheia de entrelinhas e silêncios, e nos fazer compreender todo o emaranhado de sentimentos ali envolvidos. Só mesmo um grande mergulho na narrativa surtiria tal efeito.
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Nanete Neves é paulistana, jornalista e escritora. Hoje vive de escrever, editar e ministrar oficinas. É autora da novela De âmbar e trigo (@link Editora, 2016); O Poeta e a foca (Pasavento, 2015, agora disponível como audiolivro pela Tocalivros), em que conta como conseguiu a primeira entrevista de Drummond para a imprensa quando ainda era novata na carreira; Batendo ponto: uma colherada de humor na hora do cafezinho, ao lado de Nelson de Oliveira e Marcelino Freire (Novo Século, 2013) e de Lavoura dourada (Évora, 2010). Participa de diversas antologias de contos no Brasil e em Portugal. E-mail: nanete.neves01@gmail.com
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