A marca da poesia
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É uma pena, mas tudo parece indicar que a grande massa de “poetas” e de “leitores de poesia” se compraz na palavra bem servida pelas lasanhas das redundâncias. Uma redundância, poeticamente falando, sem sentido. Nem nonsense chega a ser. Já que o nonsense é regido por uma outra analógica. Que fascina o leitor. Lewis Carrol, só pra ficar num nome, não nos deixa mentir. Sua Alice até hoje é obra impecável.
Nossa poesia contemporânea anda arquitetada sobre clichês. Sem a mínima criatividade. Lembro que Millôr Fernandes, grande haicaísta, partia do clichê mais bobinho para desconstruí-lo em imagens impagáveis. O resultado: espanto de prazer e gozo para o leitor. Leia e releia-se seu “Hai-kais”. Um norte para todos os amantes dessa poesia japonesa que soube muito bem abrasileirar-se. Sem desfazer-se da beleza estético-reflexiva nipônica.
No entanto, o que se escreve, se divulga e se lê hoje em dia, de um modo geral, visa encerrar a poesia num universo paupérrimo tanto semântica, quanto sintática, quanto morfologicamente. A lei do menor esforço vingou. Poesia virou poesiazinha.
Parece que a lei é: o poema deve dizer ao leitor algo que tenha serventia para sua vida pessoal. Ou social. Quer seja: poesia como autoajuda.
O interessante é que o professor Antonio Candido, desde suas aulas no curso de Letras na USP, incluindo seus livros da época, até mais os textos recentes, vem incessantemente batendo na mesma tecla: literatura é literatura. Sociologia é sociologia. Fazer sociologismo da literatura é exterminá-la. Ou melhor: é deletá-la.
O medo de se ensinar ou propagar uma literatura que privilegie o código literário, ou a falta de repertório para tal, tem levado professores e divulgadores a um apego exagerado ao tema, coisa que sufoca o objeto literário.
Há tempos o renomado ensaísta Luiz Costa Lima disse que na questão de Literatura e Sociedade o problema nunca foi o Antonio Candido. Mas os “filhos” e, principalmente, os “netos” de Antonio Candido. Ou seja: os netos são os atuais professores de literatura.
Esta questão tem preocupado o autor do imprescindível “Formação da Literatura Brasileira”, que recentemente frisou a necessidade de se voltar a ler os formalistas russos… Isto mesmo: Candido disse isto. Por quê? Porque nossa literatura e nossa poesia contemporâneas andam sacrificando-se em nome de “causas sociais ou subjetivas”. Deixam de lado o trabalho com a estética literária e poética.
Hoje, ao negarmos que “literatura é linguagem carregada de significado” revelamos uma ingênua visada diante da postulação de Pound. Primeiro: qual poesia/literatura é pura forma? Existe esta abstração? Por princípio toda “forma” já nasce contextualizada. E o contexto é social, entre outros aspectos. Forma é História. Segundo: desde quando fazer poesia é ter um tema e pouco ligar pra linguagem? Chega de bobagens.
A marca da poesia é sua linguagem e seu significado. Unos.
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[Publicado pelo jornal CONTRAPONTO, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 07.03.2014, p. 7.]
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Amador Ribeiro Neto é poeta, ensaísta e professor da UFPB. Publicou, entre outros títulos,Barrocidade (Landy Editora, 2003), e Muitos: outras leituras de Caetano Veloso (Orobó Edições, 2010), como organizador e coautor.
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19 maio, 2014 as 17:55