Formas capsulares


 

 

APRESENTAÇÃO

 

Deve-se ler um poeta sempre pensando nas surpresas que sua poesia nos traz.

Uma delas: a surpresa de ver que ele é independente de influências literárias, ao menos as mais notórias. Adriano faz questão de ser o primeiro na sua expressão lírica.

O segundo elogio que lhe faço é o de uma originalidade estridente.

Talvez ele tenha uma semifamiliaridade longínqua com Augusto dos Anjos. Ou melhor: com o grande poeta americano E.E. Cummings.

Terceiro elogio: Adriano tem um ouvido sutilíssimo e assimilador. Talvez ele seja um dos poucos que se serviu do Dicionário Houaiss como de uma fonte lírica inesgotável.

Quarto elogio: adotou uma “forma capsular”, isto é, de síntese e ritmo, em que as aliterações fornecem aos leitores quantos favos de mel eles desejarem.

O Adriano é alguém que ama as palavras como a si mesmo.

Talvez seja este o maior elogio que lhe faço.

 

Armindo Trevisan (Santa Maria, 1933)  é doutor em Filosofia pela Universidade de Fribourg  (1963), poeta e  professor de História da Arte e Estética na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

 

***

 

7 POEMAS

 

 

tratado I, art. 1, § 7.º (p. 29)

 

nuga magra

pontiaguda

a flor bate

contra a pútrida

parte rude

do não-nada

bate e amputa

tristes travas

dessa lúgubre

fraga fátua

 

 

tratado I, art. 3, § 5.º (p. 47)

 

com seu flash

a flor funda

hemisférios

extramuros

desintegra

clãs de alfurjas

más catervas

de loucura

ganha guerras

e inaugura

o que gera

cume e cura

 

 

tratado II, art. 4, § 4.º (p. 88)

 

a flor desloca

(pódio do pólen)

a luz da orla

(polo de glória)

da cor que corta

(lesto swarovski)

o rol do sólido

(crisol eólico)

e afoga o imóvel

(poda cióptica)

 

 

tratado II, art. 4, § 7.º (p. 91)

 

chuva de estames

(faca-efusão)

flana fragrante

(defloração)

bel oceano

(de olor: tsunâmi)

cortando o estanque

(jato-incisão)

cárcere ananto

(vida em vazão)

 

 

tratado IV, art. 1, § 4.º (p. 112)

 

gentil dinamite

rompida no espírito

atomiza o piso

da paralisia

pulveriza

lesivas marquises

e aniquila

a engenharia

granítica e grísea

dos jazigos

 

 

tratado IV, art. 3, § 3.º (p. 131)

 

infixa fita

transita

pelo cinza

passivo

com seu motivo

magnífico

que agita

e elimina

o ficto limite

da covardia

 

 

tratado IV, art. 7, § 4.º (p. 172)

 

divino vidrilho

cativa

a vista: advindo

sobre a entropia

aviva

prismas: reprime

espíritos

de pedrarias

que humilha

e arruína: exorciza

 

.

 

Editora Lumina: Sobre a queda de uma pétala / Adriano Wintter

 

 

 

 

 

.

adriano wintter (1971), poeta e tradutor, nasceu e reside em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. É autor de A Busca da Luz (1991–1992), Luz Léxica (1993–1995), Apotheosis (1996), Polimusa (2010), Mero Verbo (2010), Porto Alegre Desolada (2011), Clara Mimese (2012), O Ciclo do Amor Recomeça (2013), Ágrafo (2014), O Plectro & as Horas (2015), Quórum da Luz (2016), Sob o Baque do Belo (2017–2021) e Totelimúndi (2022), inéditos reunidos na Suma Lúcida (2023). Publicou em antologias e coletâneas de premiações. Foi traduzido ao inglês, espanhol e catalão, colaborando em revistas da Espanha (sèrieAlfa), Portugal (Triplov, Caliban, Devir, Linguará), México (Separata), Argentina (Experimenta), Chile (Cinosargo) e Colômbia (Otro Páramo); além das publicações nacionais: Revista da Academia Brasileira de Letras, Sibila, Acrobata, Suplemento Literário de Minas Gerais, Qorpus (UFSC), Eutomia (UFPE), Musa Rara, Relevo, Sepé, Ruído Manifesto, 7FacesPoesia Viva, Correio das Artes e Babel. Traduziu, entre outros: Alfredo Fressia (Uruguai), Fernando Bensusan (Espanha), José Kozer (Cuba) e Victor Sosa (Uruguai).




Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook