Atonal
A T O N A L
OU
DAS DISTÂNCIAS
DA APRENDIZAGEM CINZA
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A GOLPES DE MARTELO
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E a cada golpe do martelo eu me disperso
E a cada golpe do martelo eu me despeço
E a cada golpe do martelo eu me dispo
E a cada golpe do martelo eu me dis
E a cada golpe do martelo eu me d
E a cada golpe do martelo eu me
E a cada golpe do martelo eu
E a cada golpe do martelo
E a cada golpe do marte
E a cada golpe do mar
E a cada golpe do
E a cada golpe
E a cada gol
E a cada
E a ca
E a
E
AO MEIO
meio-dia
a vida ao meio
o sol ardendo inteiro.
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A POETA
Para Ana Cristina César
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Dizem que esta noite
é póstuma/ compulsória
Em sua fragrância
e Invento.
Na armação metálica
de desilusão e medo.
Nas asas do anjo parafusadas
manchadas de sangue a óleo
Apoiadas sobre os ciprestes
ou parapeitos.
Dizem que esta noite
é mórbida/ tísica/ essência
Nas palavras atadas
ao limbo/ ao vento
No clamor do sexo
exposto/ de chumbo
na prateleira dissolvida/ resolvida.
Dizem que esta noite
uma poeta súbita
se atirou
de uma centena de métricas
Numa cidade longínqua
sem escadas
entre a chuva que caía torpe
e os sinais pontuais de trânsito:
Um filete de versos
ácidos escorria
pelo canto de sua gengiva.
ASAS – VALAS – PALAVRAS
Asas valas
Velhas senhoras nubladas
Em tom pálido
Nem a morfina as
humaniza
Estive ausente
séculos
E aquele quadro permanece ali
– intacto
………..Ainda mais belo
………..Em frondosos jardins
………..íngremes – galopes
………..a sangrar rasteiros,
………..palavras.
Asas valas
comuns
Meus olhos são neutros (outros)
E não podem decifrar o cinza
E sua superfície de nuvem.
E não podem ver as rimas
do que ainda é fuga – pássaro
Ou mesmo mar brando
(plana invenção) que se refaz em onda
fria.
Plano-isento. Asas planas.
as valas descobertas, velhas senhoras
Cadáveres expostos/ putrefata simetria
……………………….ossos partidos
……………………….fragmentos tão perfeitos.
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SONETO À CIDADE DE SÃO PAULO
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Tens um santo no nome e quem te vela?
Em tuas ruas italianos, ateus, japoneses
Escondem a cara no odor parco, nas vezes
Mais raras do olhar para o lado, para a cela.
À luz da neblina que te encobres,
Ó cidade sem nenhum lirismo, frio
Corpo em movimento, olhos atentos, crio
Num andar este poema estranho que em ti foges
Tua prece, meu torpor, esta invalidez,
És o gosto azedo (avesso) do cinza, do chumbo
Na minha boca cada vez mais sem cor, nem tez…
Aqui em teu colo, o granito de meu túmulo esquecido!
Por ti, São Paulo, não a Londres desmedida, darei meu rancor,
Minha pálida revolta, meu pressentimento terno e vencido.
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O HOMEM DE PAPEL
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Então acaba-se assim um homem
Num segundo – e já não existe mais.
O que fez; o que não fez – a tarde
O que faria; o que desejaria ainda.
Ponto final. Vira-se a página.
O homem é passado. Passou.
Recorte de recortes.
O livro fechado esquecido.
Mera ilusão. A noite
Empoeirada em estantes,
As revoltas (reviravoltas),
O sofrimento, a chama.
Sequer o adeus reservado.
Apaga-se.
.
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HAICAI A VIOLETA PARRA
Estranho o teu canto
Tua voz dissonante
Teu falsete em pranto
.
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PAISAGEM DESFIGURADA
.
O horizonte……. es
…………………….ti
…………………….lha
…………………….ça
…………………….do
E o mar …………des
……………………fo
……………………ca
……………………do
na lente.
Não se vê ……….a
……………………noi
……………………te
……………………nem
……………………a
solidão.
Juntam-se …….os
……………………ca
……………………cos
……………………da
……………………ma
……………………nhã
na mente.
.
Leandro Rodrigues é poeta, com graduação em Letras e pós-graduação em Literatura Contemporânea. Leciona Língua Portuguesa e Literatura em Osasco – SP. Mantém as páginas: <www.recantodasletras.com.br/autores/leandrorodrigues> e <www.nauseaconcreta.blogspot.com.br/>. E-mail: droguesir@gmail.com
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