Alguns apontamentos sinuosos
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1. Toda a inteligência é artificial. Não há inteligência natural. Todo a inteligência é fabricada pelo Homem. As árvores não são inteligentes nem mais nem menos que as couves, as pedras e os planetas. As coisas e os seres naturais não produzem pensamentos, não fazem perguntas, nem produzem respostas inteligentes. Nem estúpidas. Só o cérebro humano produz inteligência, embora o faça a muito custo e de modos bem complexos. A burrice é sempre mais fácil. No princípio da evolução o Homem era menos inteligente que o homem de hoje… O que não significa que fosse mais burro. Pelo menos assim nos parece. O que diz o evolucionismo é que a evolução se vem dando lenta mas progressivamente e que talvez se dará até um certo ponto. O cérebro humano produz inteligência, mas não sabemos que ponto é esse nem quando. Por isso também não é necessariamente sempre inteligente. Produz a inteligência sem saber como nem porquê. É que a inteligência é apenas provável. Na natureza não há inteligência mas evolução. Assim aquilo a que hoje chamamos de Inteligência Artificial é também um produto da falta de inteligência natural porque inteligência natural não existe em parte alguma e certamente sentimos a sua falta. As máquinas que produzem a hoje chamada IA são por isso produtos da nossa falta de inteligência natural, como tudo o resto que inventamos e produzimos. Produtos da burrice dos homens ditos inteligentes porque não há inteligência sem a contrapartida da burrice. Ambos são propriedades humanas porque na natureza não há nem uma nem outra e a evolução vai sempre por um caminho que consideramos certo porque não há outro. Assim a IA está hoje já ameaçando e existência do próprio Homem. Seria por isso melhor chamar-lhe Burrice Artificial ou Natural ?
2. Não quero saber de grandes enredos. Nem de pequenos medos. Nas mãos tenho dedos não tenho segredos nem enlevos. Tenho canetas e teclas que não valem nada nem de dia nem de noite nem na alvorada. Quem vier que venha para se ir embora. Não quero sentir o vento lá fora. O que quero é tudo o que não vale a pena. Porque vendo bem a vida é pequena e a ficção é estorinhas mal escritas. Se tiverem mais que 300 páginas… são romances.
3. Hoje é quarta-feira mas nem por isso amanhã será quinta feira. Neste texto será sempre quarta-feira para sempre. Não há razão nenhuma para isso a não ser que é assim que está escrito. Será para sempre quarta-feira porque neste texto se diz que é quarta-feira. Este texto não é um calendário que é todos os dias. Se fosse um calendário seria a imagem problemática de todos os dias. Mas este texto fixa este dia para todos os dias mesmo que sejam diferentes para quem o lê. Mas será todos dias diferente, isto é: quarta-feira.
4. …afinal o significado existe mas nada tem a ver (haver) com o sentimento e a razão escondidos que estão entre o sim e o não… afinal o sim e o não coexistem no sentimento e na razão escondidos que estão naquilo que tem a ver com o haver ou não haver contradição…afinal a contradição existe no sentimento e na razão coabitando escondida nem no sim nem no não do significado…
5. Só me consolo com o SOL
Só me soletro com o SOL
Só me solfejo com o SOL
Só me sublimo com o SOL
Só me dissolvo com o SOL
Só me solidifico com o SOL
Só me solidarizo com o SOL
Só me sacrifico com o SOL
Só me solitário com o SOL
Só me solarizo com o SOL
De preferência à noite
E no SOLO
6. O EU sem voz – como fala com o vós?
O EU sem identidade – que idade não tem? … mas o iden é o que tem?
Um EU sem nós – que nós dá com o si próprio que não é ?
Um não-eu não se envergonha de ser o que não é …nem parece?
Quem aparece – parece o quê?
A idade será idêntica a si própria ou à sua identidade?
O próprio fala sem voz, mas o vós é a fala dos outros nossos avós?
Tudo o que se despergunta – será resposta?
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SP / Março 2015
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E.M. de Melo e Castro (Covilhã, Portugal 1932). Poeta e ensaísta. Diplomado em engenharia têxtil pelo Instituto Tecnológico de Bradford, Inglaterra, em 1956. Doutor em letras pela USP, em 1998 e Pós-doutor pela UFMG (2008). No Brasil, ministrou cursos de graduação e pós-graduação de literatura portuguesa, brasileira e africana, na USP, UFMG e UFRN. Na PUC/SP e na UNI/BH, ministrou cursos de pós-graduação de infopoesia e cibercultura. Praticante e teórico da poesia experimental portuguesa dos anos 60, introdutor em Portugal da poesia concreta (IDEOGRAMAS, 1961), é considerado pioneiro da videopoesia (primeiro videopoema “Roda Lume” de 1968). A sua poesia, de 1950 a 1990, encontra-se reunida no volume TRANS(A)PARÊNCIAS, Sintra, Tertúlia, 1989, livro que ganhou o Grande Prémio de Poesia Inaset – Inapa de 1990. (esgotado). O livro de ensaios VOOS DA FÉNIX CRÍTICA, Lisboa, Edições Cosmos, 1995, obteve o Prémio Jacinto do Prado Coelho, da Delegação Portuguesa da Associação Internacional dos Críticos Literários. Em 2006, realizou-se uma exposição antológica de 50 anos do seu trabalho visual-literário-tecnológico, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves no Porto, com o título O CAMINHO DO LEVE. Em 2012, colaborou no ciclo AS ESCRITAS PO.EX, na casa da Escrita em Coimbra, com a exposição dos mais recentes trabalhos de info e videopoesia, com o título DO LEVE À LUZ. Sua bibliografia activa conta com mais 25 livros de poesia e 18 livros de ensaios de crítica e teoria literária. Livros recentes publicados no Brasil: Neo-poemas-pagãos, Selo Demônio Negro/AnnaBlume, São Paulo, 2010; O paganismo em Fernando Pessoa, Ed. AnnaBlume, São Paulo, 2011; A agramaticidade das feridas do coração (poemas), Ed. Dulcineia Catadora, São Paulo, 2011;Poemas do É, Edições Castelinho, Porto Alegre, 2012.
14 maio, 2015 as 2:18