Trazei-me um único colibri


à Gisele Wolkoff

 

Por vezes, indefinidamente,

resido excessivo na distância do teu corpo,

a origem concreta da poesia e do sol,

*

extenso. Sob este imenso cálice atlântico

trazei-me um único colibri

para que eu plante o Brasil em meu jardim

no meu árido chão da saudade

do que nunca vivi.

E possa indicar todo o convulso tempo

à arquitectura azul deste rio grande

do mar do sul,

este meu sertão no verbo edificado

em beija-flor

pelo desejo de teu adusto rosto de guarani

incendiado de vida,

aí, onde não granjeiam nem o poeta

nem a distância.

*

Aspiram à alvura do mundo as coisas obscuras

das vozes de Santa Catarina

e geram-se os homens em miraculosa sede

de chimarrão ou de balaio. Alvorecer

é então a sílaba da sílabas,

se não houver Quintana bastará Leminski

numa eleita e contínua brisa do sul.

*

Trazei-me o mapa que “escolhe teu diálogo

e tua melhor palavra”

em teorias gerais de saudade coabitada,

essa, onde se consome a nostalgia como enlevo.

*

Trazei-me pois o colibri de celestiais cânticos

e depois língua de crepúsculo, e depois é poesia,

e depois, “vale menos do que um abraço”!

 

 

 

 

 

.

João Rasteiro (Coimbra – Portugal, 1965), poeta, ensaísta e tradutor. Traduziu para o português vários poemas de Harold Alvarado Tenorio, Miro Villar, Juan Carlos Garcia Hoyuelos e Juan Armando Rojas Joo. Possui vários poemas publicados em várias revistas e antologias em Portugal, Brasil, Itália, Finlândia, Colômbia, Chile e Espanha e vários traduzidos para o Espanhol, Italiano, Inglês, Francês e Finlandês. Publicou os livros: A Respiração das Vértebras, 2001, No Centro do Arco, 2003, Os Cílios Maternos, 2005, O Búzio de Istambul, 2008, Pedro e Inês ou As madrugadas esculpidas, 2009, Diacrítico, 2010, A Divina Pestilência, 2011, Tríptico da Súplica (Brasil), 2011 e Elegias, 2011. Em 2005 integrou a antologia: “Cânticos da Fronteira/Cánticos de la Frontera (Trilce Ediciones – Salamanca). Em 2007 integrou a antologiaTransnatural”, um projecto multidisciplinar sobre o Jardim Botânico de Coimbra. Em 2008 integrou a antologia e exposição internacional de surrealismo O Reverso do Olhar. Em 2009 integrou a antologia: “Portuguesia: Minas entre os povos da mesma língua – antropologia de uma poética”, organizada pelo poeta brasileiro Wilmar Silva e que engloba poéticas de Portugal, Brasil, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Em 2009 integrou o livro de ensaios “O que é a poesia?”, organizado pelo brasileiro Edson Cruz. Em 2010 integrou a antologia Poesia do Mundo VI, resultante dos VI Encontros Internacionais de Poetas de Coimbra organizados pelo Grupo de Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Em 2011 integrou o livro “Três Poetas Portugueses” (Brasil), organizado pelo poeta brasileiro Álvaro Alves de Faria. Em 2009, organizou para a revista ARQUITRAVE da Colômbia, uma antologia de poesia portuguesa, intitulada “A Poesia Portuguesa Hoje”. Mantém o blogue:www.nocentrodoarco.blogspot.com E-mail: rasteiro.j@gmail.com




Comentários (1 comentário)

  1. Maria Lindgren, Trazei-me um último colibri.. e tantas outras coisas mais..Belo poema de saudade. Um abração Maria Lindgren
    29 novembro, 2015 as 18:05

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