VIDA CÓSMICA
(I)
…………………….[Van Gogh: “Estrada com Cipreste e Estrela”]
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Não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual.
Somos seres espirituais tendo uma experiência humana.
TEILHARD DE CHARDIN
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Nem somente trágicos nem somente cômicos, a definição capaz de abranger nossa complexidade humana é a de que somos entes tragicômicos.
Criamos datas, como marcos, para nos dar breves momentos de Alegria.
Cada um festeja o dia do seu aniversário, embora seja uma alegria que venha inevitavelmente junto com a vertigem de nos recordar que esse foi o dia, não importa há quantos anos atrás – em que passamos a existir. E que isso, não sabemos quantos anos mais adiante, vai acabar. Ou, todos juntos, celebramos natais, anos novos. Breves alegrias, de vinte e quatro horas. Por que nos contentamos com tão pouco? E não apenas nos contentamos – nos impomos que sejam assim pequenas frestas para a alegria. No primeiro dia do novo ano, já começamos a envelhecê-lo – repetindo as rotinas do ano anterior. Alguém saberia dizer por que, neste país tropical, o carnaval dura apenas três dias – e termina em cinzas? Não sabemos bem o que queremos. Por aqui, neste ocidente católico, também nos impomos datas para sofrermos. Por que não celebramos o nascimento do Menino em vez de chorarmos sua crucificação?
Bons tempos estes – de fins de ano – para refletirmos sobre o que tudo isso significa e, quem sabe, iluminar os caminhos para que o próximo ano nos traga realmente alguma coisa de novo. Pelo menos individualmente – uma centelhazinha para cada um, que, devidamente compartilhadas, nas palavras e atitudes cotidianas, acenda uma chama maior.
Para isso, aparentemente bastaria fazermos a inversão que Chardin propõe na frase acima. É um Portal. Mas como chegar e penetrar através dele?
Nesta e na próxima Sim – uma, de Natal, outra de Ano Novo – vamos ao menos esboçar uma intenção de movimento em direção a ele, com a ajuda de Stanislav Grof, um devotado psicólogo transpessoal, que dedica sua vida a explorar as fronteiras da consciência humana. Grof desenvolveu uma prática chamada Respiração Holotrópica e através dela descobriu dimensões ocultas da mente humana, das quais extraiu algumas lições.
É com ele que começamos a dialogar:.
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Diálogos com Stanislav Grof: Indo além do eu físico
Nos estados holotrópicos, podemos transcender as fronteiras do ego corporificado com o qual nós usualmente nos identificamos e ter experiências convincentes de nos tornar outras pessoas, animais, plantas e mesmo partes inorgânicas da natureza ou vários seres mitológicos. Descobriremos que a separação e descontinuidade que nós usualmente percebemos dentro da criação é arbitrária e ilusória. E quando todas as fronteiras são dissolvidas e por nós transcendidas, poderemos experienciar a identificação com a própria fonte criativa, seja na forma da Consciência Absoluta seja como o Vazio Cósmico. Nós então descobriremos que nossa identidade real não é o eu individual, mas o Eu Universal.
Se for verdade que nossa natureza mais profunda é divina e que nós somos idênticos ao princípio criativo do universo, como explicamos a intensidade da crença que somos um corpo físico existindo num mundo material? Qual seria a natureza dessa ignorância fundamental referente à nossa verdadeira identidade, esse véu misterioso do esquecimento que Alan Watts chamou de “tabu de saber quem somos”?
Como é possível que uma entidade infinita espiritual eterna cria a partir de si mesma e dentro de si mesma um fac-símile virtual de uma realidade tangível povoada por seres sencientes que experienciam a si mesmos como separados de sua fonte e uns dos outros? Como podem os atores do drama cósmico ser iludidos acreditando na existência objetiva de sua realidade ilusória?
A melhor explicação que eu já ouvi de pessoas com as quais eu trabalhei é que o princípio criativo cósmico instala armadilhas para si mesmo para se aperfeiçoar. A intenção criativa atrás da brincadeira cósmica é materializar realidades experimentais que ofereceriam as melhores oportunidades para aventuras da consciência. Para atingir sua finalidade elas têm que ser convincentes e críveis em todos os detalhes. Poderemos usar aqui como exemplos trabalhos de arte tais como peças teatrais ou filmes cinematográficos. Elas uma vez ou outra podem ser interpretados com tal perfeição que podem nos fazer esquecer que aquilo que estamos vendo são eventos fictícios, sem nenhuma realidade, e então reagir como se fossem reais. Além disso, um bom ator ou atriz podem algumas vezes perder sua verdadeira identidade e fundir temporariamente com os personagens que estão personificando.
(II)
[Van Gogh: “Noite Estrelada”]
O céu nos mente em nossa infância!
Sombras da prisão começam a se fechar
sobre o jovenzinho que cresce.
WILLIAM WORDSWORTH
Prosseguimos este diálogo com Grof, eis a síntese das suas investigações, que ele faz em seu livro O Jogo Cósmico/The Cosmic Game: – As observações dos estudos dos estados holotrópicos confirmam o princípio básico da filosofia perene de que a qualidade de nossa vida depende em última análise do que pode ser chamado de “inteligência espiritual”. É a capacidade de conduzir nossa vida de tal maneira que ela reflita um profundo entendimento filosófico e metafísico da realidade e de nós mesmos. Isso, é claro, desperta questões a respeito da natureza da transformação psico/espiritual que é necessária para se adquirir essa forma de inteligência, da direção das mudanças que temos que sofrer e dos meios que podem facilitar tal desenvolvimento.
Grof aponta para um céu não sombrio, mas aliado do jovenzinho de Wordsworth, para que cresça se acrescentando Luz. O que, Sim, está ao alcance dele, desde que passe a viver, interiormente, sua Vida Cósmica.
Diálogos com Stanislav Grof: Rumo à natureza divina do mundo
O mundo no qual vivemos tem muitas características que a Consciência Absoluta em sua forma pura não possui, tais como a pluralidade, polaridade, materialidade, mutabilidade e impermanência. O projeto de criação de um fac-símile que é a realidade material dotada de tais propriedades é executado com uma tal perfeição artística e científica que as unidades projetadas de consciência da Mente Universal acham-no inteiramente convincente e consideram-no como real.
Na expressão extrema de sua arte, representada por um ateu, o Divino é realmente bem sucedido ao sugerir argumentos não apenas contrários à sua participação na criação, mas também contra sua própria existência.
Uma das estratégias importantes que ajudam a criar a ilusão da realidade material ilusória é a existência da feiura e da banalidade. Se todos fôssemos seres etéreos radiantes, retirando nossa energia vital diretamente do sol e vivendo num mundo onde todas as paisagens parecessem com o Himalaia, Grand Canyon e com as ilhas despoluídas do Pacífico, ficaria muito óbvio que somos parte de uma realidade divina. Similarmente, se todos os edifícios do nosso mundo parecessem com a Alhambra, com o Taj Mahal, Xanadu ou com a catedral de Chartres, e nós fossemos rodeados por esculturas de Michelangelo e ouvíssemos só músicas de Beethoven e Bach, a natureza divina do nosso mundo seria facilmente discernível.
(…)
Em todos os níveis da criação, com exceção do Absoluto, a participação no jogo cósmico exige que as unidades de consciência esqueçam sua verdadeira identidade, que assumam uma individualidade separada e que percebam e tratem os outros protagonistas como fundamentalmente diferentes de si mesmas. O processo criativo gera muitos domínios com características diferentes e cada um deles oferece oportunidades únicas de refinadas experiências da consciência. A experiência do mundo da matéria bruta e a identificação com um organismo biológico vivendo nesse mundo é apenas uma forma extrema desse processo universal. A maestria com a qual o princípio criativo está apto a retratar os diferentes reinos da existência parece fazer a experiência dos papeis envolvidos tão convincentes e críveis que é extremamente difícil detectar sua natureza ilusória. Além disso, as possibilidades de ser superada a ilusão da separação, experienciando a reunificação com a fonte são associadas a extremas dificuldades e ambiguidades complexas. Em essência, nós não temos uma identidade fixa e podemos experimentar a nós mesmos como qualquer coisa no continuo desde o eu corporificado até a Consciência Absoluta. A extensão e o grau de livre escolha que temos como protagonistas nos diferentes níveis do jogo cósmico, decresce à medida que a consciência desce do Absoluto até o plano da existência material e cresce no curso da viagem do retorno espiritual. Desde que por nossa própria natureza somos seres espirituais ilimitados, entramos no jogo cósmico na base da livre escolha e ficamos presos pela perfeição com a qual ele é executado.
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Vicente Franz Cecim nasceu e vive em Belém, na Amazônia. Autor de Viagem a Andara oO livro invisível. Blogs: Diário d oO livro invisível http://diariodoolivroinvisivel.blogspot.com.br/eAndara: VozSilêncio http://cecimvozesdeandara.blogspot.com.
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