Um negro brasileiro


Antologia inédita de poemas de Oswaldo de Camargo, escritor que desmonta, através da literatura, alguns castelos em que se escondem o preconceito e o racismo. Esta edição conta com prefácio de Florestan Fernandes e obra de capa de O Bastardo.

 

Apresentação

“Eu tenho a alma e o peito descobertos/ à sorte de ser homem, homem negro,/ primeiro imitador da noite e seus mistérios.” Assim começa o poema “Atitude”, de Oswaldo de Camargo, que inaugura a segunda parte deste livro. 30 poemas de um negro brasileiro é resultado da união de 15 poemas negros – lançado pela primeira vez em 1961, em uma edição limitada da Associação Cultural do Negro – e de poemas publicados nas obras O estranho e Luz & breu.

Um dos mais importantes intelectuais brasileiros, Camargo traz nos versos deste livro sua autenticidade poética para tratar de negritude e ancestralidade. “Eu tenho dentro em mim anseio e glória/ que roubaram a meus pais./ Meu coração pode mover o mundo,/ porque é o mesmo coração dos congos,/ bantos e outros desgraçados,/ é o mesmo”, declara o poeta.

No prefácio de 15 poemas negros, reproduzido nesta edição, o sociólogo Florestan Fernandes evidencia que as palavras do jovem militante eram atuais à época e seguem atuais hoje, pois suscitam novos ensinamentos: “Ninguém melhor que um poeta para revitalizar as aspirações igualitárias […] que orientaram os grandes movimentos sociais negros da década de 1930”.

Numa produção que perpassa mais de quarenta anos de luta e resistência, esta antologia reforça a excepcionalidade da obra de Oswaldo de Camargo, que, a partir da experiência individual e coletiva de homem negro num país de passado escravocrata, reverbera sua voz atemporal.

“É uma alegria imensa ter a oportunidade de ver os textos de Seu Oswaldo sendo os responsáveis por esta encantadora abertura de portas, que conduzirá uma nova geração de brasileiros a um encontro com si mesmos.” – Emicida
 
 

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Alguns poemas:

 
 

Miragem

De manhã quis ver o sol
cuspir moedas, já cedo,
forjadas com luz bem clara.
Preto saiu da neblina,
olhou o dia: – que nada!

Chegou tarde!?

 

Rumo

Às vezes ergo os olhos, interrogo
o seco céu sem urubu, sem nódoa
de nuvem, Deus,
que quereis?
Que eu me atropele
com minha própria sombra, que embranqueça
meu dorso e voe?

 

A manhã
Para Jacira Sampaio (in memoriam)

Vê:
A manhã se espalha nos quintais, alegra-se a cidade e há cantigas
no ar…
Tenho em meus gestos um rebanho inteiro
de atitudes brancas, sem sentido,
que não sabem falar…

Eu penso que a manhã não interpreta bem
a superfície escura desta pele,
que pássaro nela vai pousar?

Ai da tristeza de meu corpo, ai,
o pássaro conhece a manhã,
e sabe que é branca a manhã,
mas não ousa enterrar-se de novo
na noite…
A manhã se espalha nos quintais
e a flauta matutina do pastor
faz desenhos no ar…

Eu, no entanto, permaneço ao lado
da manhã e das cantigas…
A noite, a grande noite está pousada em mim
escandalosamente!

 

***

 

 

 

 

 

Onde encontrar o livro: Companhia das Letras.

 

 

 




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