Um carioca em São Paulo


Um carioca conta a verdade de São Paulotributo aos 459 anos da cidade

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Não sei se por ventura ou  estoicismo, mas é bastante instigante  constatar  que um carioca veja, e revele, a verdade de São Paulo. Certo tratar-se de  um carioca  cujos coração e mente de longa data palpitam em e por São Paulo. Nascido e criado no Rio, ‘descobri’ São Paulo (e pela cidade fui descoberto, ali exteriorizaram-se  expressões e realizações pessoais e profissionais) e nela me inseri .

Justamente a integração, untada de franca admiração, que me induziram a conhecer “o avesso do avesso do avesso do avesso” da  megalópolis ‘devoradora’…

Minha intimidade com São Paulo começou desde especificamente 1980 quando me estabeleci na cidade por decisivos três anos [por essa época, trabalhei em  projetos editoriais de literatura brasileira. depois , já  nos anos de 1995 e 1996, além da docência (literatura brasileira), iniciei uma atividade regular e ininterrupta de pesquisador, desenvolvi  projetos editoriais didáticos e paradidáticos], que me fizeram  conhecer a fundo e concretamente a cidade, as pessoas, a extraordinária energia criativa  que a move,  construtora de um progresso muito além das raias da economia, do comercial, do industrial, do mercantil — propulsora também, e sobretudo, de uma história cultural, artística e literária absolutamente fundamental para a própria Cultura brasileira.

No  “paulistano ano de 2004”, comemorativo dos 450 anos da cidade, tive a oportunidade, e o prazer, de publicar o livro São Paulo , cidade literária constitutivo de um abrangente painel memorialístico-histórico-bibliográfico de São Paulo, e que oferece uma visão e informações preciosas: o pioneirismo da cidade de São Paulo, pouco divulgado e menos conhecido ainda na verdade, eu já escrevera sobre esse pioneirismo da cidade em artigo publicado em 2000.

[ fiz agora uma edição atualizada e aperfeiçoada,inclusive com uma estrutura diferenciada – à espera de editor].

Com efeito, desde seus primórdios a cidade, e digo mais, o estado, foram pólo gerador e criador da cultura brasileira. [exagero dizer isso?  a História, sempre soberana no desmentir os céticos e desinformados , comprova ].  Historicamente, constate-se o quanto de pioneirismo: o nascimento da literatura brasileira, por meio da denominada literatura jesuítica, de Anchieta e Nóbrega; a primeiríssima  expressão poética do ‘indianismo’, que foi a base do Romantismo brasileiro, no poema “Nênia” de Firmino Rodrigues Silva (aliás, até meados do século XIX São Paulo era habitada por índios, falava-se tanto o português como o tupi); foi na cidade que José de Alencar escreveu seu primeiro texto , o “Como e por que me tornei romancista”, Castro Alves apresentou em público seu “Navio negreiro”, Raimundo Corrêa criou a debutante “Primavera”, Ezequiel Freire escreveu os primeiros contos de temática rural-sertaneja da literatura brasileira, depois fomentados por Valdomiro Silveira, Inglês de Souza escreveu e publicou o romance que inaugurou o Naturalismo literário; nela ocorreu o primeiro movimento literário de vulto não apenas em relação à cidade mas ao próprio País, em torno da célebre Academia de Direito; da cidade também ecoou uma manifestação sumamente importante, influenciadora da linguagem literária brasileira, que foi a escrita “popular”, “anti-aristocrática”, de Alcântara Machado, de  Amadeu Amaral,de Sylvio Floreal, de Juó Bananére,depois de João Antonio, contrária àquele beletrismo artificial e presunçoso que se tentou adotar após a República. Observe-se como inovadora e renovadora na passagem do século XIX para o século XX, na criação do romance histórico brasileiro com Paulo Setubal,  na figura ímpar de Monteiro Lobato, nos prenúncios modernistas de Hilário Tácito e Leo Vaz.

Aliás, da mesma forma o Modernismo de 1922 expressou um esforço para retirar à literatura o caráter de classe — dado pela elite social e cultural pós -1890 — transformando-a em bem comum a todos. Por tais auras do pioneirismo e de diferenciação nada mais condizente , como um corolário de tudo,  que em São Paulo tenha nascido e se manifestado um dos momentos fundamentais da história cultural brasileira , o Modernismo, que todos sabemos moldou,culturalmente e até mesmo politicamente, a história brasileira no século XX.

E não esquecer ainda de que o primeiro presidente civil do Brasil republicano foi um paulista, Prudente de Morais, São Paulo presente na principal mudança política do País no século XIX, como também intensamente atuante nos cruciais anos de 1924 e 1932; e como desdobramento do movimento modernista, e como conseqüência direta do espírito deflagrado pela Revolução Constitucionalista de 32, em São Paulo criou-se há exatos 70 anos um dos maiores centros de excelência latino-americanos, respeitado internacionalmente: a  Universidade de São Paulo- USP, marco para o desenvolvimento brasileiro em todas as esferas e de uma geração de pensadores inovadores nas ciências sociais no País.

Vale ainda enfatizar que hoje, nesta São Paulo “heterogenética”(o Rio de Janeiro é “ortogenética”,conforme  tese do historiador José Murilo de  Carvalho) está o que de melhor e mais  criativo se produz na literatura brasileira, a meu juízo. Atualmente uma nova geração de escritores, entre naturais e radicados (outra vez), produz uma literatura ímpar, diferenciada, afirmo  com todas as letras .Claro que essa assertiva irá despertar polêmicas e discussões.

Que este artigo  seja também  um instrumento para essa saudável prática cultural da reflexão e do debate.

O livro São Paulo, cidade literária, tanto o de 2004 como o que virá (almejo) é acima de tudo — obrigatório dizer — uma forma de  gratidão, pleito de reverência, à cidade , à qual me afeiçoei ao longo do tempo em permanentes presenças e atuações profissionais na capital . Natural do Rio, sou, citando Nicolau Sevcenko, um “extático diante da metrópole” [extático no sentido dado por Nicolau de impregnado de êxtase…]: incorporo integral e taxativamente a também extática manifestação  de Blaise Cendrars, de 1924 :

(…)

 

“Eu adoro  esta cidade.

São Paulo é como o meu coração

……..

Eu amo isso…”

 

 

 

 

 

 

 

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Mauro Rosso é pesquisador de literatura brasileira; ensaísta, escritor [e amante inveterado de São Paulo]. E-mail: rosso.mauro@gmail.com



Comentários (1 comentário)

  1. Gláuber, Argumentos interessantes. Também me apaixonei por essa cidade. Espero que o “São Paulo, cidade literária” saia logo para eu conferir.
    11 fevereiro, 2013 as 1:02

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