PORTAPOEMAS
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O projeto é composto de uma caixa com 8 livretos e um CD, micro-antologias de variados poetas de toda parte do Brasil, editado pelas Edições Iara (http://publicacoesiara.com.br), pequena editora especializada em livros de artistas. O trabalho foi desenhado pelo editor Vanderley Mendonça.
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É Portapoema
Portapoema é mais que livro. É uma experiência que reverbera, em tonalidades muitas vezes inusitadas, a força de revelação que a poesia carrega como forma privilegiada de expressão. Sendo CD, sendo libreto, sendo Portapoema, a palavra se impõe como celebração de si, feita grafismo, som e poemas. Portapoema é uma experiência que atiça a leitura de modo provocante pela pluralidade de sintaxes, pela miríade de imagens, pelas maneiras diferentes de apresentar e delimitar o ser e a sua voz. O tempo, as coisas, a natureza, o dia de todo dia: tudo isso está em Portapoema, operando um mecanismo de espelhos que multiplica e reenforma seus significados. Portapoema é um microcosmo que abre mil fendas de acesso ao real da vida, da gente e da poesia.
Portapoema nos leva à Península de Fernanda Grigolin, que diz, num pânico fleumático, irônico e não menos cáustico: “O buraco oco fica aqui. Bem aqui. Vazio. Quadrado”. Já se disse que o poema é uma forma insubstituível de preencher um vazio. E nesta Península o poema funciona não apenas como máquina mordendo o e no cotidiano. O poema de Fernanda ilumina os vazios do dia-a-dia: “Malditos homens que fazem fotocópias/ e perguntam se sou casada”. Península é essa ‘jangada de pedra’ em busca do sentido do dizer e do viver, em busca de uma forma poética que delineie um eu de mulher firme; que delineie uma voz de flores que saiba a dor: “Todo dia era aquela solidão esticada”.
Em Portapoema a Península é terra-irmã do coração-aquário, de Ana Estaregui. Um coração que é signo de todos e terreno próprio, muito íntimo e delicado; coração-aquário desde o primeiro título cifrado em “[Tímidos ciscos]”. Como quem manuseia uma delicadíssima pena de nanquim, Ana Estaregui aposta na sintaxe como força emanadora de sentidos e fonte de ressignificações: “de um vestido de cintura alta que imita respingos de tinta/ (acho que desse não, ainda não entrou para o meu hall/ de habilidades)”. A semântica bate também diferente, de par com a sintaxe desmobilizada, criando novos e potentes metacampos: “Hoje, o que é planetário/ é que hoje houve um grilo./ [ouvem-se grilos]”. Eis que descobrimos um outro nome para o coração-aquário: delicadeza. Nesse reino, não é despropósito querer saber: “Em que fonte orbitam os poetas?”
Em Portapoema há já uma tentativa de resposta à questão, noutro libreto, vizinho, de Pedro Tostes. Seu inventário, criado e polido sob o sol do “ainda”, propõe a leitura do que ainda é o poeta, em corpo físico, em palavra, em força vital de nomear. Milenar tarefa de nomear, de inventariar o mundo: a vocação do poeta do inventário. No hiato entre a dor do diminuto existir e a grandeza da tarefa, entra uma carrada de sentimentos. Quatro versos bastam: “mas tanto faz/ pois/ o que importa/ é que ainda tenho.” Que missão dura a de inventariar a vida, desfazendo-se. Diz Pedro Tostes: “o poeta/ des faz/ a pá lavra”. Não existe outro nome para este inventário senão tra-ba-lho. Um trabalho consciente dos riscos que cada novo verso assume ao nascer: “Ventríloquos de vanguarda/ são títeres de ideias velhas”. Simples como pão com mortadela.
Não seria espantoso o leitor descobrir em Portapoema que Pão com mortadela é uma entre tantas as pequenas coisas que se movem, de Rafael Matede. Poeta do miúdo, Rafael trabalha ressecando a forma de adornos, em busca incansável por um sumo essencial que a palavra extraia do cotidiano. Tantas esquinas da vida iluminadas por seus três versos: “não mantenho o hálito limpo/ o raio seco parindo ideias/ ruínas desde sempre”. A linguagem aqui se apresenta precisamente em ruínas, pois está despida das automatizações e trivialidades da comunicação pura e simples. As pequenas coisas que se movem revelam-se em ditos próximos ao delírio da linguagem: “o céu perdeu o chão/ caiu muitas vezes/ enchendo de lama/ a cova das árvores.” Mas os delírios das coisas são contemplados e manufaturados por um olho de vigilância meditativa: o próprio poeta. Disfarçado, com outra roupa, o poeta está lá também ensimesmado.
Assim como está ensimesmada, a poeta Sinhá, deste Portapoema. Sinhá tem a voz mais lírica, onde batem ancestrais cantigas de amigo. E sua poesia é a dança e a música e o ritmo do ensimesmamento; da cisma que é própria de quem se expressa em palavras: “enchentes de dor/ escreveram nos muros do meu peito.” Ensimesmar-se é reconhecer-se isolado, à parte. Mas isolar-se é dar oportunidade ao florescimento de uma riqueza íntima, é aí, fixo o olhar na palavra, que acontece o pequeno milagre: “quando o olho-olho/ vale a pele toda”. A trama maleável da poética de Sinhá absorve cada sentimento do leitor e revela quem está à disposição de uma leve e profunda sensualidade. Sua poesia é toda aesthesis: “invadindo a pele/ e a música nos dedos/ pra acabar com tudo”. Amor – vizinho da violência.
Como noutra Portapoeta, Isadora Krieger, a voz de uma não menos sensível violência amorosa. O primeiro poema de violência amorosa tem a delicadeza de um soco, a violência de um beijo (roubado): “enquanto o amor morre/ tu roncas/ nada te torna tão cruel”. Livre, solta, diária, Isadora tem o lirismo dos loucos, de que falou Bandeira. Lirismo que convida e seduz o leitor ao desvairio revelador: “eu e tu – escultores de muletas:/ Sonhos de Carcomidas Madeiras”. Belo e grotesco, amor e reatividade violenta são faces desse mundo de Isadora; cujo nome seria talvez “Manicômio do cangalho humano”(?). Tudo termina numa grande quadrilha que celebra as dores e os amores, mediados sempre pelo desregramento revelador da falibilidade do normal. Bem de perto o normal é ninguém; e o poema pode ser quase nada, do tamanho da verdade reativa do poeta: “pérolas aos porcos,/ já dizia o poeta”. Um mineiro já disse: foi seu ouvido que entortou! O que não temos é nossa força?
O Portapoema avança nesse sentido com os poemas de arrudA, que diz isso que nos falta é tudo que temos. Mínimos, os versos de arrudA não enganam. Feito enxadrista, o poeta caminha no terreno da poética avaliando as perdas. O que não temos é já um valor, tem o tamanho justo da beleza: “a memória/ que eu me lembre/ é uma bolha de sabão”. É dificílimo encontrar poemas curtos que funcionem com o vigor de uma totalidade. Em arrudA, não é raro encontrar, entre um verso e outro, o valor do poema que ganha potência pelo que não tem: “tem dias que pesam/ como pedras/ no bolso/ pode ficar com o troco”. Abastecida das perdas, a poética de arrudA enfrenta sem medo o silêncio, que, afinal de contas, é um dos grandes patrimônios da poesia: “todo silêncio tem um pouco/ do maior silêncio/ de todos”. A vocação do poeta é ser mais eloquente que o silêncio.
É sina gravada por Vanderley Mendonça, o oitavo Portapoeta: “tentaste de tudo e só te restou a escrita.” O país do poeta é distante, é imaginado. Poeta de uma sintaxe elegante, tributária de experiências consagradas das nossas letras, não é à toa que “Dura enquanto dura” é dedicada a Augusto de Campos: “Não há arte sem vida, disseste./ Por que a arte é contra a morte.” Vanderley tenta, então, estender essa duração, fazer o poema espraiar-se e impor-se, como que a reativar a vida, presa entre os escombros da solidão: “Eu sei quando você passa/ perfumando os dias sem graça.” O poeta gera algo que derrete a dor, inventa dias, clareia a serra, a lua, a terra. O poema é o que o poeta vê, é algo que talvez nunca exista, embora tentemos a todo tempo criá-lo, sua verdadeira existência é dentro dos olhos (fechados): “para te ver tenho que fechar os olhos”.
Abram-se os olhos para Portapoema. Abram alas para Portapoema. Escutem: a poesia não vai passar.
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Alexandre Pilati | Poeta e Crítico literário.
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O CD de áudio acompanha a caixa e os libretos. São oito faixas, uma de cada poeta. São poesias lidas pelos artistas. A produção de áudio do CD é de Tomaz Sá do projeto Poesia Pod. Ele também musicou e produziu seis das oito faixas.
Faixa 1: Flauta. Poema e Voz: Ana Estaregui. Música: Tomaz Sá.
Faixa 2: Petróleo. Poema e voz: arrudA. Música: Maurício Fleury.
Faixa 3: Diário Chilango. Poema e voz: Fernanda Grigolin. Música: Tomaz Sá.
Faixa 4: Rotação. Poema e voz: Isadora Krieger. Música: Pedro Zopelar.
Faixa 5: Sem nome. Poema: Rafael Matede. Voz: Fernanda Grigolin. Música: Tomaz Sá.
Faixa 6: Inventário. Poema e Voz: Pedro Tostes. Música: Tomaz Sá.
Faixa 7: Pout- Porrir. Poema e Voz: Sinhá. Música: Tomaz Sá.
Faixa 8: Duraemquantodura. Poema: Vanderley Mendonça. Voz: Pedro Tostes. Música: Ped Valdés.
Para conferir o projeto: http://portapoema.publicacoesiara.com.br/
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Escute algo do projeto:
Confira a exposição MUNDOS PORTÁTEIS, DE 14 a 27 de abril no Atelier A Pipa ( Rua Fidalga, 958, Vila Madalena, das 18h às 22 horas) onde acontecerá o lançamento de PORTAPOEMAS.
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