Poesia em movimento


……………………………….. by Luisa Marinho

 

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“Nada havia de mais prestante em nós senão a infância. O mundo começava ali.”

Manoel de Barros

 

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A força da obra do poeta Manoel de Barros é tão grande que muitos artistas, de áreas distintas, ficam tentados a recriá-la. Tal paixão pela poesia de Manoel estende-se na TV, no teatro, na música e no cinema – como exemplo há Só Dez Porcento é Mentira, documentário definitivo sobre o poeta, traduzido de forma singular através do olhar do cineasta (e também poeta) Pedro Cezar.

Recentemente, a dança também criou um diálogo especial com universo manoelino a partir da montagem Tudo que não invento é falso, concebido pela coreógrafa e bailarina Paula Isnard Maracajá. Resgatando um tema muito caro ao poeta – a infância – os bailarinos Mickaell Ramos, Danilo D’Alma, Nina Botkay, Renata Versiani, Patricia Riess e Paula Maracajá evocam o que há de mais potente no universo infantil: a liberdade.  Inspirada no livro Memórias inventadas: as infâncias de Manoel de Barros, a montagem  inicia com barulhos de passarinhos despertando o sono de uma criança, desdobrando-se na apropriação das sonoridades pelo movimento.

Assim como na poesia de Manoel Barros parece existir uma eterna brincadeira com as palavras, neste espetáculo de dança a brincadeira na construção de cada partitura corporal é o ponto de encontro da poesia. Cada bailarino tem um momento sublime em cena, onde não se busca a perfeição do movimento. Pelo contrário, investiga-se o gesto livre e infantil a traduzir o mundo das plantas, animais, e coisas inomináveis do menino-poeta. Os intérpretes, que também assinam a pesquisa de movimento, comprovam que delicadeza pode ser superior ao virtuosismo. A emoção de cada variação proposta captura não só as crianças, mas os adultos que, silenciosamente, se permitem ser infantis.

Imagens de infância são reveladas entre as partituras líricas, criadas pelo poeta e músico Dado Amaral, o que permite ao espectador escolher a própria paleta de cores para desenhar sua viagem. No cenário todo branco, concebido pela artista visual Gabriela Maciel, há um balanço e um emaranhado de tecido, que servem de trampolim para as imagens evocadas: um avião, um pássaro, um bicho esquisito e tantas outras coisas que não se sabe o nome, mas desaguam criação libertadora. Também não é necessário cores no figurino desenhado por Ticiana Passos – a simplicidade é aliada da poesia.

Classificado como infanto-juvenil (mas que serve para os adultos que cultivam suas crianças interiores), o espetáculo foge dos clichês para dialogar com o espectador. Não há uma linearidade narrativa, no entanto a história é compreendida através de uma linguagem poética construída com o movimento do corpo dos bailarinos e da música. Ouvem-se comentários dos pais e das crianças que se misturam a sonoridade do espetáculo, selando a proposta entre os criadores e o público: exercitar a tarefa de ser criança.

Quando termina o espetáculo, pais e crianças são convidados a subir no palco, sentar-se no balanço, brincar com a fantasia. Um delírio. Confirmando, assim, os versos do poeta de 95 anos: “poesia é a infância da língua”.

 

 

 

 

 

 

 

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Ramon Mello, natural de Araruama/RJ, é poeta, jornalista, e ator. Possui graduação em jornalismo pela UniverCidade (2008) e em artes dramáticas pela Escola Estadual de Teatro Martins Pena (2004). Possui experiência em Letras e Jornalismo cultural – como repórter, entrevistou mais de 120 escritores brasileiros. É autor do livro de poemas “Vinis mofados” (2009). Organizou “Escolhas” (2009), autobiografia intelectual da professora Heloisa Buarque de Hollanda; coorganizou, com Heloisa Buarque, “Enter, antologia digital” (2009) e, com Marcio Debellian, “Maria Bethânia Guerreira Guerrilha”, de Reynaldo Jardim (2011). Participou das antologias “Como se não houvesse amanhã” (2010); “Rio-Haiti, 101 histórias”; (2010), “Liberdade até agora”; (2011). Responsável pela obra do poeta Rodrigo de Souza Leão (1965-2009). Idealizou o espetáculo “Todos os cachorros são azuis”, dirigido por Michel Bercovitch. Curador, junto com Marta Mestre, da exposição “Tudo vai ficar da cor que você quiser” (MAM/RJ 2011-2012). Atualmente dedica-se ao livro “Poemas tirados de notícias de jornais”, contemplado pelo Edital de Autores Fluminenses 2010/2011 da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro. Mantém os blogs Sorriso do Gato de Alice (www.sorrisodogatodealice.blogspot.com) e Click(in)versos no portal Click21 (www.blogclickinversos.com.br). E-mail: ramon.mello@uol.com.br




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