O Panapaná e o Mito dos Hopis


O PANAPANÁ E O MITO DOS HOPIS SOBRE O VOO DAS BORBOLETAS

 

Antes do advento tecnológico das fotografias coloridas, os impressionistas viviam obcecados por insetos e flores de tons vibrantes e exóticos. À época, a melhor maneira de tê-los perto de si era cultivar as próprias flores, como as do célebre jardim da casa de Claude Monet, em Giverny. E na difícil alquimia dos pigmentos, a borboleta sempre foi alvo de um fascínio muito especial. A borboleta é magnífica porque delicadamente conjuga a exuberância cromática das flores à leveza adejante dos pássaros. Contudo, sempre achei a palavra “borboleta” um tanto imprópria para um inseto tão gracioso e alegre. O seu “ê” tônico fecha-se em peso e cai da boca como uma pedra. Agora há pouco descobri a palavra panapaná, que me pareceu espetacular, quase uma onomatopeia. Ela significa revoada ou coletivo de borboletas, e é formada pelo redobramento de paná (ou panã), que em tupi nomeia justamente essa criaturinha que semelha duas pétalas aladas. Li essa palavra em uma instalação do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que recentemente reabriu as suas portas após algumas reformas. E se alguém conhecer algum bom poema com ou sobre o nosso panapaná, peço a gentileza de me mostrar.

Depois de visitar a exposição, falei com uma colega antropóloga nos Estados Unidos.  Conversamos sobre as palavras butterfly e papillon, suas formas, cores e invocações. Contei-lhe da minha descoberta do panapaná e ela, também entusiasmada, apresentou-me  ao mito dos índios Hopis sobre a origem do voo das borboletas. Chamados antigamente de Mokis, os Hopis (Hopitu-shinumu, o Povo Pacífico) falam uma língua do tronco uto-asteca e hoje vivem em uma reserva no nordeste do Arizona, próximos aos Navajos e Apaches. O mito hopi narra a transmissão, por certos répteis, do poder curativo das cores do arco-íris às borboletas. Achei a história tão bela que resolvi traduzir rapidamente uma versão recolhida por Ivan Etienbre para o site Regard Eloginé. Como se poderá notar,  a narrativa ganharia um sentido todo especial se os répteis nele referidos fossem os camaleões. Acontece, porém, que no território norte-americano não há camaleões, embora lá existam diversos lagartos coloridos praticamente desconhecidos por aqui. O chão, a cor e a cura: ao cabo o percurso dos mitos não segue pelo caminho estreito disso que costumamos chamar de realidade, nem se submete à lógica causal da nossa ciência. Fonte perpétua da imaginação e rastro tênue de acontecimentos que se perderam na noite dos tempos, o mito conserva e mescla as fantasias do inconsciente a fragmentos de memórias ignorados pela história oficial dos povos que insuspeitadamente já borboletearam pelos continentes polinizando as suas culturas.

 

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COMO AS BORBOLETAS APRENDERAM A VOAR (MITO DOS ÍNDIOS HOPIS)

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No começo do mundo, não havia borboletas, só existiam uns répteis que eram os seus ancestrais.  Mesmo dotados de cores maravilhosas, esses animais quase não eram percebidos pelo homem, que olhava muito para o céu e pouco para a terra. Nessa época vivia uma jovem chamada Flor de Primavera. O seu sorriso era alegre e as suas mãos tinham o poder de curar febres e queimaduras. Quanto mais o tempo passava, mais esse seu poder crescia, até que ela se tornou capaz de curar quase todas as doenças existentes.  Um dia ela teve a visão de lindas criaturas voadoras que lhe dariam o poder de cura das cores do arco-íris, um poder que ficaria entre os homens depois da sua morte. Dali em diante passaram a chamá-la Aquela Que Tece Arco-íris no Ar. Quando chegou o momento, ela encontrou um homem que era vidente, com quem se casou e teve dois filhos. Todos da redondeza levavam até ela pessoas para serem curadas, e à medida que as suas energias se esgotavam, Aquela Que Tece Arco-íris no Ar ia percebendo que a segunda parte de sua visão já se tornava mais próxima.

Sempre que sentava no chão, os répteis coloridos  vinham roçar-se nela. Certa vez, um deles disse no seu ouvido: “Minha irmã, o meu povo sempre esteve junto de ti enquanto praticavas as tuas curas, te dando assistência com as cores do arco-íris que nós trazemos pelo corpo. Agora que vais passar para o mundo dos espíritos, não sabemos mais como continuar a trazer aos homens a cura dessas cores. Nós somos ligados à terra e as pessoas olham muito pouco para baixo e assim não somos vistos. Eu penso que se pudéssemos voar, os homens nos perceberiam e sorririam mais, e nós também poderíamos circundar aqueles que necessitam da cura de nossas cores. Podes nos ajudar a voar?” Aquela Que Tece Os Arco-íris no Ar prometeu tentar e comunicou essa conversa ao seu marido, indagando se algum sonho dele poderia trazer uma solução para a demanda dos répteis.

No dia seguinte, Aquela Que Tece Arco-íris no Ar amanheceu morta. E enquanto o marido rezava e preparava o enterro de sua esposa, recordou-se do sonho que teve durante a noite e sentiu-se reconfortado. Quando chegou o momento de enterrar Aquela Que Tece Arco-íris no Ar, ele deparou-se na cova com o réptil que pensava lá mesmo encontrar. O vidente o apanhou cuidadosamente e o trouxe para perto de si. E ao depositar o corpo de sua esposa onde repousaria, ouviu o réptil lhe dizer:  “Coloque-me sobre o ombro dela. Quando a terra estiver sobre nós, o meu corpo também morrerá, mas o meu espírito se misturará ao de tua mulher e juntos nós sairemos voando da terra para irmos até aqueles do meu povo e ensiná-los a voar,  assim o trabalho de Aquela Que Tece Arco-íris no Ar poderá prosseguir. Ela está me aguardado. Coloque-me logo lá”. O vidente fez o que o réptil lhe pedia e, após o enterro, ao olhar a cova e recordar o amor que tinha vivido, notou que saia da terra uma pequena criatura com todas as cores do arco-íris em suas asas.  Ela voou em sua direção,  pousou sobre o seu ombro e lhe disse: “Não fique triste, meu esposo. A minha visão agora realizou-se completamente. E aqueles a quem ensinarei a voar logo trarão a todos a bondade de coração, a cura e a felicidade. Quando chegar a tua hora de também te transformares em espírito, eu estarei te esperando e te reencontrarei”. Alguns anos mais tarde, quando o vidente mudou de mundo, depois que todos partiram do enterro, os seus filhos ficaram próximo à sua sepultura e lá perceberam uma dessas novas criaturas magníficas, que eles chamaram borboleta, voando ao redor da cova. Pouco depois, um outra borboleta de igual beleza saiu do solo onde jazia o corpo do vidente e uniu-se àquela que a aguardava e juntas voaram em direção ao Norte, o lugar da renovação. Desde essa época, as borboletas estão entre os homens.

 

 

 

 

 

 

 

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Marcus Fabiano Gonçalves nasceu no Rio Grande do Sul (Santana do Livramento, 1973). Radicado no Rio de Janeiro, é professor da Universidade Federal Fluminense. O autor publica ensaios e poemas inéditos no blog Arame Falado, no endereço:  marcusfabiano.wordpress.com. Em 2005, publicou O Resmundo das Calavras (ws editor), obra finalista do Prêmio Jabuti. E-mail: marcusfabiano@terra.com.br

 




Comentários (1 comentário)

  1. Moises, Sua historia e uma fabula antiga,porem verdadeira. Esse e o momento em que as borboletas(seres humanos despertos) comecam o seu rehgresso ao pai criador,em sua forma espiritual, para posteriormente,conduzir o processo de ascencao da nova humanidade Os repteis,sao os nossos antepassados biologicos(dna)os reptilianos ou “satanas”…serpente emplumada… Trannsmite essa mensagem para o portal thoth 3126,elesvao gostar muito. Assim seja
    10 janeiro, 2015 as 1:25

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