O MinC e a alma brasileira
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O Ministério da Cultura (MinC) foi criado em 15 de março de 1985 pelo então presidente Tancredo Neves. No dia da sua posse, Tancredo foi internado, operado e não assumiu, sendo substituído pelo seu vice José Sarney.
O MinC, portanto, surgiu junto com a Nova República para atender aos anseios de artistas, intelectuais, professores, pensadores e produtores de arte e cultura que participaram da campanha das Diretas Já e da eleição indireta de Tancredo Neves, pondo fim a 21 anos de ditadura. O primeiro ministro da Cultura foi o então deputado José Aparecido que, de imediato nomeou um negro (Carlos Moura) e um índio (Cacique Marcos Terena) como assessores diretos. Foi seu primeiro ato.
O MinC se tornou a Casa da Cultura dos que queriam e desejavam pensar a cultura brasileira do ponto de vista simbólico, estrutural, econômico e artístico. Foi a partir da nomeação de Moura que surgiu a proposta de criação da Fundação Palmares para políticas públicas culturais afro-brasileiras. O ministro Aparecido não esquentou a cadeira, pois atendeu a um pedido do presidente Sarney e virou governador indireto de Brasília. No governo Sarney, passaram pelo MinC intelectuais do porte do economista Celso Furtado e do acadêmico e dicionarista Antônio Houaiss. Personalidades como Ziraldo, o poeta negro Adão Ventura, o historiador Angelo Oswaldo participaram e criaram o ministério.
No governo Collor, o MinC se apequenou. Em 12 de abril de 1990 foi transformado em Secretaria da Cultura, diretamente vinculada à Presidência da República. Essa situação foi revertida pouco mais de dois anos depois, já no governo do presidente Itamar Franco, quando foi criada a Lei Rouanet de incentivo à cultura.
Em 1999, no governo FHC, foram ampliados os recursos e a estrutura foi reorganizada. O ministro Francisco Weffort passou a aplicar a famosa Lei Rouanet captando recursos para projetos culturais. A lei atendeu e atende a produtores culturais do país, mas não consegue bancar com seus recursos direcionados a milhares de pequenos produtores. Esse gargalo ainda não foi resolvido.
Em 2003, o MinC passou a viver a chamada “Era Gil” da cultura brasileira. Ao ser convidado e nomeado para o ministério, o cantor e compositor tropicalista Gilberto Gil, resolveu atender ao chamado do presidente Lula que lhe disse: “vá lá e faça como você faz no palco”. E Gil fez mesmo: montou uma equipe competente de “cabeças iluminadas” e saiu pelo Brasil dançando e cantando, anunciando as boas novas. No seu discurso de posse, falou em “do-in antropológico”, que massagearia pontos vitais momentaneamente desprezados ou adormecidos do corpo cultural do País. O “do-in” serviu para “avivar o velho e atiçar o novo”, segundo o poeta e antropólogo Antônio Risério, criador da expressão.
O MinC passou a ter uma estrutura densa: uma Secretaria Executiva com três diretorias (Gestão Estratégica, Gestão Interna e Relações Internacionais), seis Representações Regionais (nos estados de MG, Pernambuco, Pará, RJ, Rio Grande do Sul e São Paulo; além de seis Secretarias: Fomento e Incentivo à Cultura, Políticas Culturais, Cidadania Cultural, Audiovisual, Identidade e Diversidade Cultural e Articulação Institucional.
No governo Dilma o MinC perdeu a pulsação. O principal projeto da Era Gil – os Pontos de Cultura – não avançou. No meio do caminho, a presidente nomeou a cantora Ana de Hollanda, irmã do Chico Buarque. Recursos foram cortados e pouco foi feito.
Apesar de parte do movimento cultural ter se engajado no movimento “Não vai ter golpe”, contra o impeachment da presidente, existia uma latente insatisfação de artistas, pensadores e produtores de arte e cultura com a performance do Minc nos governos Dilma. O ministério ficou à míngua e o governo devendo muito ao mundo da cultura.
Sabemos que a cultura brasileira tem pulsação própria e merece um tratamento de honra no topo da nossa existência planetária. Cultura deve ser tratada pelo seu simbolismo como parte fundamental da formação do nosso povo, dos seus costumes, da memória, da criatividade infinita da nossa gente. Vejamos o exemplo do samba e seu valor simbólico, até como produto de exportação. A Cultura como encontro de raças e necessidade lúdica para enfrentarmos o dia-a-dia de nossas lutas, prazeres e sobrevivências. Cultura como ação social civilizatória. Mas que fique claro: não cabe ao Estado fazer Cultura, mas promover e apoiar o desenvolvimento da sociedade como direito básico da cidadania.
Assim, sem olhar atenciosamente para a cultura brasileira com o devido respeito que sua história merece, o novo governo tropeça na brasilidade. Não basta tão somente um ministério, pois mistério sempre há de pintar por aí. A questão é mais profunda: temos que valorizá-la no seu conjunto. Afinal, cultura não é somente a cereja do bolo, mas cesta básica também. Faltam cultura e mulheres no governo Temer.
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Luis Turiba é pernambucano, criado no Rio de Janeiro, radicado em Brasília. Fundou a revista de poesia experimental BRIC-A-BRAC, em Brasília, em 1985. Na poesia, tem militância ativa há mais de 30 anos. Publicou seu primeiro livreto, Kiprokó, em 1977, no Rio de Janeiro. Em Brasília publicou Clube do Ócio, em 1980, Luminares, em 1982; Realejos, em 1988; a antologia Cadê?,em 1998; e Bala, em 2005. Em 2010, lançou dois livros em Brasília: “Meiaoito”, pela coleção Oipoema; e o infantil “Luísa, Lulusa: a atriz principal”. No jornalismo, trabalhou em O GLOBO e na Manchete, no Rio de Janeiro, ainda na década de 70. Chegou em Brasília em 1979, onde trabalhou na Gazeta Mercantil, no Jornal do Brasil, no Jornal de Brasília, no Correio Braziliense, onde cobriu a campanha das Diretas e a eleição de Tancredo Neves. Fez assessoria de imprensa para a Assembléia Nacional Constituinte e foi da equipe do Ministro Gilberto Gil no MinC por quatro anos. Publicou um livro com os principais discursos do ministro Gil, editou dois DVDs: Gil na ONU e Programa Mundial da Capoeira. Foi vencedor da Bolsa Literária FUNARTE em 2008, pelo qual escreveu seu livro “Meiaoito”. E-mail: turibapoeta@gmail.com
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