Lyn Hejinian na linha-do-tempo


por Mauricio Salles Vasconcelos

Lyn Hejinian na linha-do-tempo
Traduções/recriações –
Mauricio Salles Vasconcelos

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No dia 12/12, às 18 horas – pela plataforma Google Meet – haverá o lançamento de DESDE OS ANOS 2000 (MINHA VIDA), livro de Mauricio Salles Vasconcelos, publicado pela Lumme – O projeto parte da poética de Lyn Hejinian (autora de Minha Vida nos anos 1990). Será apresentado um ato cênico seguido de uma conversa sobre a literatura agora/segunda década neomilenar. Participação especial de Marcelo Ariel.

Através do email presentemilenio@gmail.com obtenha informações para adquirir o livro e acessar o link da Comunicação/Performance em torno da obra.

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         Tradutor de Minha Vida (2014) e estudioso de sua obra, encontro em outro livro de Lyn Hejinian – My Life in the Nineties – o veio de recriação da existência na pauta multitópica do tempo, contextualizando a partir dos anos 2000 a relação de meu percurso pessoal com o transcorrer de uma época (como se lê em Hejinian, a década de 1990/o fim-do-século).

         My Life teve sua primeira edição em 1980, sendo complementado em 1987, perfazendo um conjunto de 45 blocos de poemas-em-prosa reportáveis aos correspondentes anos de vida da autora norte-americana. Perceptível se mostra, no entanto, o sentido de baralhamento da perspectiva centrada na escrita de si, seja pela inserção de diferentes momentos na aparente progressão – bloco a bloco – dos 45 anos de uma vida, seja pela mescla com fragmentos/flashes extraídos de matéria diversa. Indagações sobre o decurso do tempo ganham a cena a contar de sequências imagéticas colhidas dos mais diferentes personagens, situações e lugares.

         Lyn Hejinian alcança uma dimensão de impessoalidade e potência na captação dos pontos mais profusos e difusos do decurso vida/tempo, de modo a desestabilizar o categórico alinhamento a uma bioescrita. Quanto mais se escavam a intimidade, a memória, emerge um plano tão centrado quanto transversalizado no que envolve a captura da subjetividade em linhas de um poema rítmico-discursivo, simultaneamente especulativo e dotado de pregnância cinemática.

         Minha vida nos anos 1990 (publicado em 2003) dá continuidade a tal via construtiva da existencialidade enquanto experiência inseparável da forma e da reconstituição do transcurso temporal. Mantém o mesmo padrão observável no livro-matrix: linhas arquitetadas com uma breve coluna disposta à direita (na abertura de cada poema) até ganhar as alíneas de um bloco compacto de prosa, a partir de um aforismo destacado em itálico no lado esquerdo – Tal como imprime o livro original, intitulado simplesmente Minha Vida

A analogia                           Era    uma   enseada     montanhosa

óbvia é com                         correndo  sobre  pequeninos  seixos

a música                              de quartzo branco e mica. Digamos

                                           que    toda    possibilidade    espera.

                                            Na  música  raga,  o tempo é  acres-

                                            cido     à     medida   e  se  expande.  

                                           Uma   sede    profunda,   sutilmente

cheirando    corações   de  alcachofra,  semelhante  ao   ador-        

mecimento   da  infância.    Em    toda   festa  de   aniversário

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                                   (Hejinian, 2014: 24)

         Desde os anos 2000 (Minha Vida) não segue tal desenho gráfico. Desdobra de modo livre os elos com o toque sequencial (montado em gradação de um ano a outro) do livro da vida, embora se atenha a certos focos e andamentos de dicção característicos de Hejinian.

                               Um choque – querer ser tão impessoal quanto

                     Enigma (azulejo) erro (eixo) – onde alcançar o ponto de irradiação que faz da parede pastilhada um conjunto uniforme?

                   O começo-ligadura pode ser percebido em qual trecho (azulejo, cerrado erro)? Jogo da infância quando paralisada no interior da casa onde se reside, aberta para outros interiores, sempre volta; trata dos polos de incisão, vazio e emaranhamento no disperso.
(Vasconcelos, 2020: 25)

         Meu oitavo livro de poesia toma disposições formais variáveis a contar do pattern feito de construtos aforismáticos/blocos de prosa erguidos por Lyn Hejinian. Sem que em nenhum momento eu reproduza o grafismo do projeto Minha Vida desenvolvido pela escritora em dois módulos, em  momentos diferentes, concentro-me, contudo, nas aporias do tempo humano, indissociáveis do ser-de-linguagem que desponta do processo da escrita.

         Justamente, toma a cena o intrincamento de ser-no-tempo – Premissa heideggeriana tornada ontologia crítica das subjetivações no correr da história desde a segunda metade do século XX, rompida que foi com qualquer desígnio teleológico, a pulsar sob os signos da deriva e do desastre (teses de Blanchot), em ressonante impacto sobre nosso presente.

         Em sintonia com os propósitos cartográficos da filosofia contemporânea, afinados pela pesquisa de existência e poeticidade realizada por Hejinian (veja-se, de modo mais explícito, um título como A Border Comedy/Comédia de Borda, do qual traduzi uma sequência do seu final), a linguagem da indagação – reportando-me aqui ao volume de ensaios The Language of Inquiry,  de L. H – nunca se desvincula da apreensão mais problemática da finitude do scriptor. Esse,posto em ato, especialmente quando se encontra imbuído de uma concepção bioescritural.

         Irrompe, de modo flagrante, a linguagem-questão (assim traduzo o titulo ensaístico acima referido) como condutor de minha vida nos anos 2000 entendida como trabalho de literatura. Ainda que seja este passível de se formular como bodywork (ao modo de Kathy Acker). Sobretudo quando se observa a marcação de um elo estrito com a história-de-um-corpo a passar por procedimento de anotação e construtividade linha a linha de um livro de poesia. Pois capto, no mesmo movimento, a dissolvência crescente (dessa vida em curso, a se inscrever na linha do tempo e do escrito) na vertiginosa sucessão do calendário neomilenar.

O fazer-linguagem toma proeminência. Em sintonia com o texto de abertura da obra ensaística citada – “A Thought is the Bride of What Thinking” –, conceito e corporalidade, primeira pessoa e timing composicional, individuação e memória se põem em sondagem como investigação e aventura inerentes ao intuito de autorrelato sobre alinhamentos/pautas poemáticos. Por outro, simultâneo lado, o fato de eu estar escrevendo em outra época – depois dos anos 90, tomados como premissa a partir de Lyn Hejinian –, vi-me num compasso mais referencializado à emergência do milênio em raconto, na gradação de um a outro ano (de 2000 a 2000).

Se abro uma vertente mais expositiva dos elos entre vida/história/escrita no vetor acionado pela súmula sobre um novo milênio, no correr de duas décadas, não fico sem o afrontamento dos cernes mais intrincados da linguagem sob andamento da escrita-de-si e da lida com uma época convulsa, complexa. O fator-jogo se dissemina em

                                                           Listas

                                                           Linhas

                                                           Diagramas de espaço-tempo

                                                           Aforismos

                                                                  À volta do que está pensando a linguagem e como sou pensado pelo poema-pneuma-pontuação-performance                 Listas/Linhas

Conduzem-me à sincronia com a cultura documental tão característica desse espectro millie traçado em várias órbitas das artes, da vida e da cultura. De modo visivo, contagiante, se plasma um paralelo vitalista, em tempo real.  À contraface da grande máquina informacional que rege os acessos e os contornos dos últimos anos do novo século (projetado, anunciado, aliás, no interior de uma iconografia techno).

Entendo, enfim, o diálogo contido em Desde os anos 2000 (Minha Vida, com a poética de L. Hejinian num dimensionamento tradutório. Do mesmo modo que verti para o português My Life, dessa vez em torno de seu livro-de-vida nos últimos dez anos do século-milênio que passou, tenho o norteamento de uma incisão autoral dotada de força para reinventar os anos que me restam. (Tão logo passaram e passam em 20 anos do projeto Desde…2000). Assim como as linhas em trânsito entre literatura e o próximo segundo, em celebração criadora e passagem pelo fio finito da linguagem.

Quer dizer: a linguagem-questão sobre a fiação de vida/tempo.
MSV

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                                                                Trecho do Livro

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A escrever o ritmo da própria mão:

De imediato faço inventário e pontuação. Irrompem Rol Heterodoxo Minecraft Cartelas Ginasianas Post-Doctor Mind Game Casamento entre Espécies Mico-Preto Efeméride Atomic Power Jogo-da-Velha

Como preencher vazios (cheios de catálogos códices preexistentes, ainda assim visados num jorro por hora) pelas mãos mais novas ocupantes de uma residência ou resma reatada em puro brinquedo (por mais que ilustrado, implica-se o passatempo). Grave se torna – desde cedo – qualquer tipo de distração.

Outra meditação ascende enquanto exala e se extingue o exímio defumador; tudo se atiça no auge da mais nova dúvida; acerca do que cessa e logo cerca. Incenso (Incêndio)

Cabeça feita na cinza ultrapassa arco-íris cinevisivo a favor gincana, maratona de quem se põe frente à frente concentrada decifragem: do que some e lança instantâneas pistas (para o que não regressa)

Embora tudo se passe a contar do regresso;

Outra meditação ante fascifacínora presidência montada no ódio ao poder popular corrompido desde a última efígie século XX (subtraída conta coletiva). Recesso ganha a cena – //Olho o real e não é bem o real//

O desgaste percebido (um relance) na imagem mirada tem a ver com erosão. Enrugamento talvez. Desfolha-se musgo na casca acobertada in totum pelo nome paisagem; ao mesmo minuto por correspondência a um ser-olho cindido. Talvez ruga livre de figura e fala, musgo em cheio encorpa a criatura/totem da paisagem Em Nome do Homem.

Meditações –
        Rechear os planos. Enquanto um súbito sinal esvazia-se
Sem mais alarme

Contraplanos –
        Os mais completos, assim sejam, ditos na iminente falha após à voz que comemora o pleno. Em recreio do mutante chocolate cake apagado aniversário; tão-logo se incandeia a vela sob um 
Sopro
        À luz do menor evento
                                                              (Vasconcelos, 2020: 41-43)

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Referências Bibliográficas:

HEJINIAN, Lyn. The Language of Inquiry. Berkeley/Los Angeles/Londres:
University of California Press, 2000.

_________________.  My Life in the Nineties. Nova York: Shark Books, 2003.

________________. Minha Vida. Trad. Mauricio Salles Vasconcelos. São Paulo: Dobra, 2014.

VASCONCELOS, Mauricio Salles. “Comédia-de-Borda –  Poesia/Sentença/Ação”.   https://musarara.com.br/comedia-de-borda. 25/09/2015

_____________________. Desde os anos 2000 (Minha Vida). Bauru: Lumme, 2020.

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Mauricio Salles Vasconcelos é autor do ensaios Espiral Terra – Poéticas contemporâneas de língua portuguesa (2013) e Rimbaud da América e outras iluminações (2000), de Stereo(ficções), editado em 2002,  do romance Ela não fuma mais maconha (2011) e das narrativas de Moça em blazer xadrez (2013). Publicou os livros de poesia Sonos curtos(1992), Tesouro transparente (1985) e Lembrança arranhada (1980). Dirigiu, entre outros videos, Ocidentes(2001), tendo por base seu livro-poema Ocidentes dum sentimental (1998), uma recriação de “O sentimento dum ocidental”, de Cesário Verde, e também  Giro Noite Cinema – Guy Debord(2011). Carioca, vive em São Paulo. E-mail: vasconcelosmauricio@hotmail.com




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