Francisco Carvalho: em tom menor


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Morreu Francisco Carvalho, um dos maiores poetas não apenas do Ceará, mas do Brasil. Morreu de maneira discreta, sem alardes e gritantes sofrimentos, assim como sempre viveu, em seu canto, quieto…

Conheci o poeta, que nasceu em Russas e veio jovem estudar e trabalhar no comércio de Fortaleza, quando ele ainda dava expedientes na Reitoria da UFC, levado pelo amigo comum Sânzio de Azevedo; lá voltei diversas vezes, sozinho mas principalmente acompanhado de alguns escritores também conhecidos dele ou que o queriam conhecer. O ritual era quase sempre o mesmo, levantava-se para apertar mãos, sentava-se tímido, comentava (quase sempre elogiando os interlocutores; fazia questão de recordar características do autor presente, mesmo quando apenas um jovem iniciante, de quem havia lidos às vezes poucos poemas) sobre literatura e descambava invariavelmente para a situação política do país, destilando alguns comentários ácidos e desesperançados sobre o Brasil e seus políticos.

Por duas vezes escreveu textos sobre livros meus, e até mesmo as cartas com as quais sempre agradecia o envio de livros pareciam feitas para encorajar o escritor que o procurava pessoalmente ou em forma de volumes impressos. Reuniu vasto material de crítica ligeira, feita como que para ‘orelhas’ e breves apresentações, sempre positivas, gentis e encorajadoras.

Em rara ocasião o encontrei fora de seu recanto da UFC, foi numa das primeiras bienais do livro do Ceará, quando registramos algumas fotografias juntos com os amigos José Alcides Pinto, Dimas Macedo, Luciano e Virgílio Maia, Sânzio de Azevedo e outros, todos de sacolinhas de livros nas mãos.

A última vez que o visitei já se encontrava em sua casa, aposentado dos maçantes serviços burocráticos. Levávamos, eu e Nilto Maciel, um poeta brasiliense que queria por que queria conhecer o recluso poeta. Levantava-se já com dificuldades, falando baixo, ouvia pouco, porém continuava simpático e discreto; parecendo que era (mesmo sendo o ‘poeta famoso’ visitado) apenas mais um na conversa.

Depois disso nos falamos por telefone umas duas vezes, já com sérias (e agravadas) limitações para ouvir e falando muito, muito baixo. Senti (sentimos alguns admiradores do nosso grande poeta) que era hora de deixá-lo em paz com sua solidão. Solidão apenas metafórica, fazemos questão de salientar, porque sua querida família estava sempre muito presente, constantemente ao lado deste poeta que escreveu em tom maior mas que viveu em tom menor.

 

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Variações sobre a morte
de Francisco Carvalho

 

Quando o homem perde

o primeiro fio de cabelo

começa a dialogar com a morte.

 

A morte, ausência

de todas as sensações,

é a mais ostensiva das presenças.

 

Ninguém consegue fugir da morte

pela simples razão de que

somos hospedeiros dela.

 

A morte chega, apaga

a luz dos teus olhos e acende

os seus negros castiçais.

 

Algum dia te visitará

uma sombra de olhos de areia

e bruscamente cerrará tuas pálpebras.

 

Morte, ó ceifeira veloz.

Quantas são as espigas

que abastecem o teu celeiro?

 

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[Texto publicado no jornal O Povo, em 06/03/13]

 

 

 

 

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Pedro Salgueiro nasceu no Ceará (Tamboril, 1964). Publicou O Peso do Morto (1995), O Espantalho (1996), Brincar com Armas (2000), Dos Valores do Inimigo (2005) e Inimigos (2007), de contos; além de Fortaleza Voadora (2007), de crônicas. Algumas faculdades (História, Pedagogia e Agronomia), diversos prêmios literários, contos em suplementos, revistas e antologias, um emprego público vitalício e outras inutilidades afins. Dentre várias atividades: desbravador de abismos, perquiridor de caminhos e descobridor de atalhos. E-mail: pedrosalgueiro64@yahoo.com.br

 




Comentários (1 comentário)

  1. Luiz Alfredo Nunes de Melo, A morte parceira do tempo que moram na borda da eternidade trabalham dia e noite para nos jogar de volta a eternidade Ela levou o poeta Russano mas deixou seu poemas que dialogava com ela conhecia seus passos noturno a claridade da sua vela o hálito de sua caravela mas o que o poeta deixou foi muita saudade dos seus versos que falam da vida das lavouras floridas dos rios que não secam nunca e das paixões que se transformam em tintas e escreveram estes versos que marcaram minha vida Sabe poeta não sou poeta e não gosto de chorar mas escrevi estes pobres versos e estou chorando Luiz Alfredo
    5 maio, 2013 as 16:12

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