FINIS POIÉTICA
No lançamento do livro Musa Fugidia, com a presença dos poetas Ademir Assunção, Antonio Vicente Pietroforte, Marcelo Ariel e Paulo Cesar de Carvalho, o poeta português Ernesto de Melo e Castro leu um depoimento sobre o que seria a poesia. Confira, na íntegra.
Poesia não é prosa cortada aos bocados
mais ou menos curtos
Prosa não são versos estendidos
até ao fim de linhas paralelas
ambos se fazem com letras
e com fonemas com que falamos
porque as letras são pequenos sinais
que nada significam isolados
mas dos quais nos servimos para desenhar
conjuntos chamados sílabas e palavras
com que dizemos tudo o que passa
pelas nossas cabeças iluminadas…
palavras que ora são Poesia
ora são Prosa… ambas sendo
ou escrita ou fala
com as quais o Homo Sapiens diz
que se comunica através dos
sentidos da vista e do ouvido
atos a que chama escrita e oralidade
no entanto escrever e ler Poesia
não é o mesmo que escrever e ler Prosa
porque ao ler Prosa sabemos o que lemos
e ao ler Poesia nunca sabemos
o que lemos
porque a Poesia não tem princípio
nem tem fim
e o que a prosa diz é
o que está escrito que diz
enquanto a Poesia diz
o que está para além
de tudo o que se diz ou escreve
talvez até
por baixo do que a própria Poesia
aparentemente diz
mas há também Poesia só
para os olhos verem e
poesia para todos os sentidos
sentirem isolados ou sinestésicamente
enquanto a prosa diz
o que as palavras parece que dizem.
Isto é mais ou menos
o que pensa o Homo Sapiens
que também tem conhecimento
de estar em vias de lenta extinção
pelo seu próprio reconhecimento
da BANALIZAÇÃO do que diz e pensa
a par da DESUMANIZAÇÃO
do que quotidianamente faz
em evolução exponencial negativa
tal situação pode ser o fim da Prosa
mas é certamente o fim da Poesia
para a qual a banalização
é o enfraquecimento da poiesis
sua substancia inventiva
enquanto para a prosa a banalização
é a diminuição da sua capacidade comunicativa
usando um vocabulário pobre e repetitivo
mas ambas só terminarão provavelmente
com o fim previsivel do Homo Sapiens
que será causador e testemunha
do seu próprio decair até um previsivel fim
porque o fim do Homo Sapiens
só pode ser vivido e testemunhado
pelo próprio Homo Sapiens
o que é um paradoxo existencial
Insoluvel…
assim teremos de considerar
inevitavelmente o advento próximo futuro
de uma mutação coletiva num outro Homo
que pelo desconhecimento de si próprio
e de tudo o que o rodeia na Terra
e fora da Terra
será certamente o HOMO IGNORANTIS
que provávelmente não terá
nem memória anterior do passado
nem do Homo Sapiens não podendo
sequer desenhá-lo nem reconhece-lo…
tal como não poderá reconhcer-se a si próprio
como sucessor do Homo Sapiens… não
reconhcendo também
as letras e os fonemas já obsoletos
com que o Homo Sapiens escrevia e dizia
a sua Poesia e a sua Prosa.
Perante tal situção insólita
o novo Homo Ignorantis
não saberá nem poderá inventar
uma nova forma de poiesis
para exprimir os seus nãosentimentos
e os pensamentos nãohumanos
por uma nãoforma de nãocomunicar
os produtos elocubrantes
dos seus incógnitos cérebros
sem saber de suas próprias origens
nem capacidades
mas talvez capazes
de uma diferente forma
de nãoautoreconhecimento
como ignorantes natos
de si próprios.
será portanto com essa ignorância
que talvez se intuirá uma outra
nova nãopoiesis ?
para além ou aquém
de todas as letras fonemas e ideogramas
que ninguem saberá metadecifrar
tudo voltanto pseudoesféricamente
a um ignorado metainicio
ou a um ignorante metafim
agora e sempre incógnitos
desumanizados e perdidos
nas cavernas e desertos
de uma outra desconhecida
NÃOTERRA …
E.M. de Melo e Castro ( 120 linhas )
S.P. dezembro 2017
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Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro (Covilhã, Portugal 1932). Poeta e ensaísta. Diplomado em engenharia têxtil pelo Instituto Tecnológico de Bradford, Inglaterra, em 1956. Doutor em letras pela USP, em 1998. No Brasil, ministrou cursos de graduação e pós-graduação de literatura portuguesa, brasileira e africana, na USP, UFMG e UFRN. Na PUC/SP e na UNI/BH, ministrou cursos de pós-graduação de infopoesia e cibercultura. Praticante e teórico da poesia experimental portuguesa dos anos 60, introdutor em Portugal da poesia concreta (IDEOGRAMAS, 1961), é considerado pioneiro da videopoesia. Entre 1985 e 1989, desenvolveu na Universidade Aberta de Lisboa um projeto de criação de videopoesia denominado SIGNAGENS. Nesse projeto, Melo e Castro teve a idéia pioneira de lançar mão do gerador de caracteres para produzir poemas animados, pensados especificamente para veiculação na televisão. Na verdade, já em 1968, Melo e Castro havia realizado um pequeno videopoema de pouco menos de 3 minutos de duração, denominado Roda Lume, que chegou mesmo a ser colocado no ar, no ano seguinte, pela Rádio e Televisão Portuguesa, RTP, num programa de informação literária. Depois, mais exatamente em 1985, quando a Universidade Livre de Lisboa adquiriu um dispositivo completo de geração de caracteres e edição em vídeo, Melo e Castro foi convidado a desenvolver ali um projeto de videopoesia, que acabou por se constituir numa das referências mais importantes da atual poesia que utiliza recursos tecnológicos. Em 1993, realizou o videopoema em cinco partes Sonhos de Geometria, de 30 minutos, publicado em cassete VHS como anexo ao número especial 7/8 de MENU, cadernos de poesias, Cuenca, Espanha.

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