Diálogo de surdos
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Duzentos e quarenta e sete ficcionistas nascidos de 1972 para cá – entre eles, eu – enviaram textos para concorrer à seleção da revista Granta – Os melhores jovens escritores brasileiros. Outros autores preferiram não participar do concurso, por discordar dos critérios ou motivos pessoais. Ao fim, 20 nomes foram escolhidos com mérito e legitimidade pelo qualificado corpo de jurados constituído pela revista. Merecem os parabéns.
O júri montou uma dentre as listas possíveis. E qualquer relação comportaria omissões. Simplesmente porque a nova cena literária brasileira, pela variedade temática e formal, não se esgota em duas dezenas de nomes.
A seleta da Granta é, portanto, um indicador em meio a vários outros, como os prêmios literários ou os eventos que se multiplicam cada vez mais ao longo do país. Na falta de um público leitor expressivo – este, sim, o nó da questão –, os jurados e as curadorias acabam fazendo o trabalho de mapeamento. Com inclusões e exclusões, segundo premissas próprias. Nada exatamente esdrúxulo.
No entanto, bastou a revista chegar às livrarias e teve início uma polêmica tão vazia quanto enfadonha. O debate estacionou na tola dicotomia que opõe o discurso ressentido a resenhas chapa branca. De um lado, críticas pesadas aos autores eleitos e a seus textos, quando não aos jurados, quase sempre sem o cuidado básico da leitura prévia – isso depois das regras aceitas e do jogo jogado. Do outro, análises generalistas para sustentar uma legitimação apressada da qualificação “os melhores”.
O essencial – a produção recolhida pela Granta – ficou até agora de fora da discussão. Não surpreende. O gosto pela maledicência é uma característica tão patente dos escritores quanto a paixão pela palavra. Em A vida literária no Brasil – 1900, Brito Broca já comentava as idiossincrasias desse pequeno e estranho universo. Stella Rimington, autora consagrada de romances policiais e ex-presidente do júri do Booker Prize, afirmou no ano passado: “Pensei que o mundo da inteligência era o lugar para a intriga. Mas isso foi antes de conhecer o mundo editorial”. Ou seja, não há novidade alguma na recente fumaça. Que, entretanto, turva a visão, impedindo que se distinga o que é periférico e o que é central.
Bienais, festas, antologias são importantes para divulgar a obra de um autor, mas guardam uma relação esparsa com aquela centelha que o levou, um dia, a começar a escrever ficção. Se apagada essa fagulha, restará o acessório. E ficaremos todos, num diálogo de surdos, repetindo o verso único de Francisco Alvim no poema Luta literária, que virou o hit da atual querela: “Eu é que presto”.
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Marcelo Moutinho é jornalista e escritor. Autor dos livros A palavra ausente (Rocco, 2011),Somos todos iguais nesta noite (Rocco, 2006) e Memória dos barcos (7Letras, 2001). Organizou a coletânea de ensaios Canções do Rio – A cidade em letra e música (Casa da Palavra, 2010), além das antologias Prosas cariocas – Uma nova cartografia do Rio (Casa da Palavra, 2004), Contos sobre tela (Pinakotheke, 2005) e Dicionário Amoroso da Língua Portuguesa (Casa da Palavra, 2009), das quais é também coautor. É colaborador do suplemento literário Prosa & Verso (O Globo) e da revista Bravo!. E-mail: moutinhomail@gmail.com
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