DESOBRIGAÇÃO ENGANOSA
Caro Edson, pelo que entendo o projeto não visa a eliminar o estudo da literatura portuguesa, e sim a eliminar “a obrigatoriedade de” estudá-la no caso dos estudantes dos primeiros níveis. Eu sei que eliminar obrigatoriedades pode resultar simpático à primeira vista, mas não caiamos na cilada de imaginar que ficaremos mais livres pelo fato de “desobrigar-nos” de melhor conhecer a história da nossa língua. O estudo das literaturas em língua portuguesa figura entre as “obrigatoriedades” pedagógicas necessárias, não tenha dúvida. Não se trata em absoluto de um tema de alienação pós-colonial, trata-se de conhecer e reconhecer a função literária da nossa língua nos âmbitos lusófonos.
Por outro lado, eu acho paradoxal essa preocupação em eliminar a obrigatoriedade de conhecer a literatura portuguesa no mesmo momento em que as academias tentam implantar (à força, goela abaixo) uma unidade, gráfica ao menos, entre o brasileiro, o português e a lusofonias africanas. Essa medida (que aliás eu me nego a obedecer) me parece grave, revela um nostalgia por uma unidade linguística que foi se transformando nas realidades idiomáticas americana e africanas.
Em todo caso, é claro que a língua brasileira tem uma origem, não desceu de Marte, e nós nos conheceremos melhor quanto melhor conhecermos as outras literaturas lusófonas. Aliás, eu lembro que a literatura não é só um modo de autoconhecimento, é também um modo de interpretação da realidade, e que conhecer os chamados “clássicos”, entre eles os portugueses, é um modo de integrar-se ao mundo. Eu, que defendo o estudo do latim, você sabe, Edson…, eu não poderia admitir passivamente essa “desobrigação” enganosa com a literatura portuguesa. A consequência dessa medida será um Brasil culturalmente mais provinciano, mais isolado. Quando eu penso na minha infância em Montevidéu, quando eu lia “modernistas” do México até a Argentina, e os espanhóis que chegavam até mim em edições baratinhas, de fácil acesso… Eu queria justamente “globalizar” os jovens brasileiros em termos literários, dar o espaço para conhecer principalmente os clássicos, e enfim, não fechar (ou quase) as portas para uma literatura em vários sentidos próxima de nós como a portuguesa.
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Alfredo Fressia é professor de Literatura e Língua Francesa. Nascido em Montevidéu, deu aulas até 1976, ano em que a ditadura uruguaia o destitui. A partir de então instala-se em São Paulo, onde continua dedicado à poesia e ao ensino. Desde o fim da ditadura, em 1985, Fressia volta sistematicamente a Montevidéu, onde reside ao menos dois meses por ano. Exerceu o jornalismo cultural em várias mídias do Uruguai (Suplemento Cultural de El País), Brasil (Folha de S. Paulo) e México (La Jornada Semanal). Foi editor da revista mexicana de poesia La Otra, na edição impressa, de 2008 até 2013.
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