Asco – Thomas Bernhard em San Salvador
por Daniel Osiecki
Horacio Castellanos Moya e sua relação com o boom, pós-boom e as correntes Crack e McOndo
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A literatura latino-americana durante os anos finais da década de 70 e início da de 80 passou por um período bastante conflituoso política e esteticamente (na verdade um está atrelado ao outro). O pós-boom latino-americano surge como uma espécie de resposta – ou apelo – a uma aparente crise da narrativa e seus autores buscam uma corrente voltada ao presente do continente, porém longe de cair no erro pseudo-inovador, repleto de lugares comuns e nada original da geração McOndo, nos anos 90.
O pós-boom aparece como uma espécie de retomada de uma literatura não necessariamente engajada como a geração anterior, mas ainda preocupado com certo apelo social. Sem muitos floreios formais e estilísticos bastante comuns nos autores do boom, há um romantismo há muito não explorado, porém sem ser piegas, que torna-se pano de fundo de vários escritores que, politicamente, eram engajados e vários membros de partidos de esquerda, como Isabel Allende, Mempo Giardinelli e outros. Nos autores do pós-boom há uma clara dicotomia entre literatura e vida, o que acabou sendo bastante criticado por vários teóricos e escritores que viam a nova geração como ingênua e reacionária. Vários desses autores apresentaram uma proposta, ou projeto de escrita, muito mais direto como resposta ao excesso de retórica da geração anterior, tornando as narrativas mais diretas e tratando de termos do cotidiano, como a descoberta da sexualidade e o universo dos jovens.
Alguns escritores pertencentes ao Boom, como Garcia Marquez e Fuentes, aos poucos aderiram, mesmo que de forma discreta, à nova corrente. Houve uma espécie de retorno à narrativa mais linear e a elementos mais tradicionais estéticos que Marquez, Fuentes e outros passaram a explorar. O pós-boom foi a geração da literatura latino-americana que voltou a se ocupar nas narrativas com as grandes sagas de famílias e basicamente preocupada com a construção de ações em tempos estanques.
Fato semelhante ocorreu com as gerações de Crack e McOndo, que surgiram na década de 90, respectivamente no México e no Chile. O surgimento de ambas as correntes literárias tem grande influência das políticas neoliberais que assolaram o continente latino-americano. Resultado de vários golpes de estado pelo continente nos anos 70 e 80, a economia fica estagnada e pouco se produz. Geralmente como ocorre nessas situações obscuras de golpes (militares ou não), tende-se a encontrar subterfúgios para, geralmente uma elite dominante pequeno-burguesa, atribuir culpados pela crise. Elementos esses que parecem distantes da produção cultural como um todo, mas que estão diretamente ligados. Tanto que reflete no próprio fazer artístico dessas duas correntes. Ambos movimentos surgiram como manifestos e com a ideia de produzir a “nova literatura latino-americana” através de projetos coletivos entre novos autores que de certa forma passaram a ascender culturalmente em seus países. Ambos os movimentos tinham como proposta principal se opor em relação ao Boom latino-americano, ao realismo mágico, à ideia dos pueblos, ao leitmotiv engajado e atmosferas fantasmagóricas e metafóricas (como em Rulfo, Onneti, Carpentier), e adotar um tom mais universal, uma linguagem mais cosmopolita, narrativas mais lineares, personagens consumidoras da cultura pop norte-americana, de classe média e sem voltar-se aos problemas sociais da América Latina.
Nesse contexto de produção cultural de gosto duvidoso e de política neoliberal, há alguns escritores que se destacam por sua qualidade literária, verdadeira ruptura com modelos preestabelecidos e subsequente rompimento com correntes às quais pertenceram, como David Toscana, Horacio Castellanos Moya e outros. David Toscana fez parte do primeiro momento do manifesto Crack, do qual se afastou posteriormente. Toscana teve contato com os autores que depois seriam os idealizadores de McOndo, Alberto Fuguet e Sergio Gomes. Como Toscana não encontrou ecos entre seus conterrâneos do manifesto Crack nem de McOndo, logo se desvinculou dos movimentos e pode-se dizer que sua produção é bastante independente desde então. David Toscana não assimila em sua obra os preceitos “revolucionários” de Crack e McOndo, parecendo muito mais próximo dos autores do boom, porém sem tornar-se discípulo de Onetti, Rulfo, Carpentier, Marquez, embora haja pontos convergentes.
Fato que também se pode perceber no hondurenho Horacio Castellanos Moya, mas nesse caso a independência de Moya com relação a seus contemporâneos vai mais além. Moya, que cedo mudou-se para El Salvador, não chegou a vincular-se a quaisquer manifestos literários em seu país, pois cedo, por decorrência da guerra civil, exilou-se no Canadá. Moya acaba por não assimilar-se e/ou identificar-se com nenhum lugar onde vive, e isso se reflete em sua literatura. Diferente dos escritores de McOndo como Fuguet e Gomes, Moya não explora a cultura pop norte-americana e nem finge não existir graves embates sociais no subcontinente. Seu romance Asco, de 1997, é um exemplo disso. Assim como Moya não fecha os olhos à realidade de seu país, também a vê de fora, como um estrangeiro, pois vive fora do país há muito tempo.
Guerra civil e autoexílio
A guerra civil em El Salvador, que durou de 1980 a aproximadamente 1992, deixou cerca de 80 mil mortos, 9 mil desaparecidos e mais tantos outros exilados. Foi um conflito que teve, mais uma vez, intervenção norte-americana, pois os Estados Unidos temiam que o cenário da revolução cubana se repetisse em outros países do Caribe. Depois do golpe militar, a JRG (Junta Revolucionaria de Gobierno) assume o poder e a tensão no país aumenta ainda mais com o apoio financeiro que o atual governo recebe dos EUA, cerca de US$ 7 bilhões ao longo de três mandatos presidenciais: Carter, Reagan, Bush.
Entre os exilados está o jovem Horacio Castellanos Moya, que em 1979 se transfere para Nova Iorque e posteriormente Canadá, Costa Rica e México. Em todos os países por onde passou, atuou como jornalista e sempre se manteve atento aos conflitos em El Salvador, até que a assinatura dos Acordos de Paz de Chapultepec, em janeiro de 1992, ano em que Moya retorna pela primeira vez a seu país, traz certa estabilidade aos salvadorenhos depois de anos de conflitos.
O fato de Moya ter transitado por tantos lugares diferentes acabou por influenciar sua escrita e em seu não engajamento com movimentos literários, pois é contemporâneo de Crack e McOndo, mas até onde se sabe não estabeleceu contatos intelectuais com escritores mexicanos (onde viveu por algum tempo) como David Toscana. Na obra de Moya ocorre exatamente o oposto dessa identificação nacionalista, pois em Asco, seu romance de 1997, seu protagonista (seria seu alter ego?) Edgardo Vega, um professor universitário que em viagem por sua terra natal (aqui entra a intertextualidade com Thomas Bernhard), em uma diatribe irrefreável aponta tudo aquilo que considera como mazela em seu país. Desde costumes mais banais, como pequenas práticas culinárias até o falho sistema de ensino superior. Como Vega é um autoexilado, assim como Moya, ele critica tudo que o incomoda, que o fere, de fora para dentro, como se fosse um estrangeiro, seu maior desejo.
Durante o período em que Vega passa em El Salvador, ele se encontra com seu único amigo com quem ainda mantém contato, um escritor chamado Moya. Nem a família de seu irmão escapa à sua diatribe, beirando o frenesi. Portanto, quando nos referimos ao autoexílio de Moya, o autor-pessoa (BAKHTIN) também há de se pensar no exílio como metáfora, o não encontrar-se consigo próprio nem com o outro, a falta de empatia e todos os problemas que isso acarreta. E aqui podemos voltar à questão do não engajamento artístico e político, o que torna-se bastante evidente no estilo de Moya e da diferença de seu estilo para os escritores de McOndo, por exemplo, como Fuguet e Gomes, que como já vimos, ao contrário do que pregaram em seu manifesto, não acrescentaram nada de novo à literatura latino-americana contemporânea e estavam longe de serem autores de vanguarda, se aproximando em muitos momentos de alguns autores do pós-boom, como aponta Rama, com a influência e as referências do cinema, da cultura pop e de ambientes urbanos, bastante diferentes dos pueblos de Marquez ou Rulfo.
Por mais que a guerra civil em El Salvador não seja o leitmotiv de Moya, seus resquícios aparecem e permeiam sua obra sutilmente, como as heranças negativas de um conflito sem um inimigo aparente, a suposta miséria de um povo que se acostumou a viver na sujeira, oprimidos, sem se importar muito, por um governo corrupto e violento. Claro, esses aspectos são observados por Vega, do alto de seu pretenso conhecimento de causa do autoexilado. Lembremos que Moya, nesse romance, emula o estilo de Thomas Bernhard, escritor austríaco autor de Extinção.
A questão da intertextualidade acaba se tornando um ponto de convergência nesse aspecto do elemento estético na pós-modernidade muito por decorrência das ideias exploradas por Foucault, Derrida, Deleuze e outros a partir de meados dos anos 60. Se pegarmos como exemplo a produção literária a partir dessa fase, há vários exemplos de intertextualidade, como Dino Buzatti, Italo Calvino e posteriormente Herta Mueller, Cees Noteboon, Umberto Eco e vários outros. Pode-se pensar sobre essa questão que a estrutura do texto literário, seu valor estético, é determinado pelo grau de estrutura do pensamento, pelo sistema ideológico e axiológico. Segundo Lucien Goldmann, o elemento axiológico na obra não é do artista, mas da classe à qual ele pertence. Esse método crítico chama-se “estruturalismo genético”. Eagleton, no livro Marxismo e crítica literária, discorre sobre esse conceito.
Diálogos com Extinção, de Thomas Bernhard
Quando Horacio Castellanos Moya publicou Asco em 1997, o fez com forte influência do escritor austríaco Thomas Bernhard, principalmente do romance Extinção, de 1986. Bernhard, morto em 1989, nasceu na Holanda, mas cedo sua família mudou-se para Áustria, onde o escritor passou toda sua vida. Bernhard era conhecido como o “mestre dos insultos”, uma espécie de Gregório de Matos germânico, que em diatribes infindáveis, aponta, critica, fere e grita contra tudo aquilo que considera passível de crítica em seu país.
Franz-Josef Murau, o protagonista de Extinção, é um professor de literatura que se autoexilou em Roma, onde dá aulas particulares de literatura e filosofia. Descontente com seu lugar de origem, uma pequena cidade no interior da Áustria chamada Wolfsegg, com fortes tendências reacionárias, católicas e nacional-socialistas, sente repulsa por tudo que pode ser associado ao seu passado. Murau retorna a Wolfsegg depois de anos para o casamento de sua irmã, e tudo o deprime e também o intimida. Passados alguns dias, de volta a Roma, Murau recebe a notícia que toda sua família morreu em um acidente de carro, e nesse retorno forçado ao berço de suas raízes mais profundas, as quais renega, é que o protagonista, por meio de reminiscências e lembranças tece suas considerações das mais ferozes contra os costumes de sua família (aristocratas latifundiários), de sua cidade provinciana e preconceituosa, de seu país. Nem a morte trágica de sua família o impede de dirigir impropérios aos mortos no ritual fúnebre, que despreza, o que o torna, em vários momentos, caricato, o que de fato Bernhard pretendia alcançar.
Edgardo Vega, o protagonista de Asco, também é um professor autoexilado que ao retornar ao seu país de origem se depara com lembranças que o deprimem e também o intimidam (mesmo que Vega não deixe transparecer). O retorno de Vega a El Salvador também acontece por decorrência da morte de sua mãe, e seu retorno ocorre depois de vinte anos vivendo no Canadá. A partir de um desentendimento com seu irmão, Vega se encontra com seu único amigo remanescente, Moya, um escritor que relata a história. Aqui podemos pensar nas teorizações de Bakhtin sobre autor pessoa e autor personagem. Tendo como base os estudos de Bakhtin, autor pessoa é aquele que “reflete a posição volitivo-emocional da personagem e não sua própria posição em face da personagem”, ou seja, o sujeito físico. Auto-objetivação do autor pessoa na personagem : “não deve ocorrer esse retorno a si mesmo”. Autor personagem é uma espécie de objetivação do autor pessoa, ou seja, uma entidade literária que não existe sem o autor pessoa. Portanto, em Asco temos Horacio Castellanos Moya como o autor criador, a pessoa real, física, mas também temos um Moya que só existe no universo da ficção, assim como seu alterego, Edgardo Vega.
A narrativa de Asco é muito bem construída, sendo que é uma espécie de solilóquio de Vega com pouquíssimas interrupções de Moya, apenas para indicar o que disse e o que apontou Vega. Em momento algum do romance, Moya, que ouve a história de Vega, tece quaisquer tipos de comentários ou opiniões sobre aquilo que ouve.
O estilo hiperbólico adotado por Moya (o autor pessoa) é claramente atribuído à influência de Bernhard. O estilo da narrativa, sem interrupções, sem separações em parágrafos ou capítulos, os impropérios dirigidos a tudo que tenha algum tipo de relação ao seu passado, é, como o próprio Moya assume, um “exercício de estilo”.
Fica bastante claro em Asco, mesmo sem ler a afirmação de Moya sobre suas pretensões de imitar o estilo de Bernhard ou sem levar em consideração o subtítulo do romance – Thomas Bernhard em San Salvador – a forte influência do escritor austríaco. Mesmo Asco sendo uma espécie de “exercício de imitação” de estilo, Moya é muito mais original do que seus contemporâneos da geração Crack e McOndo, no sentido de que Moya em momento algum aparece com um manifesto proclamando o surgimento da “nova” literatura latino-americana e a superação dos autores do boom e do pós-boom. Caso de Baixo Astral, de Alberto Fuguet, que é o romance inaugural da geração McOndo, que surgia como a nova narrativa chilena e, como escreveu Vargas Llosa, “…uma geração inteira de escritores pretende descartar a noção de que o realismo mágico é tudo na ficção latino-americana. Alberto Fuguet emerge como a mais irresistível voz, por sua prosa segura e ideias ambiciosas”. Porém, como já vimos, não há nada de ambicioso em Fuguet, nenhuma espécie de inovação estética; apenas a reprodução de narrativas estanques, sem muita imaginação e repleta por referências à cultura norte-americana.
Horacio Castellanos Moya e os pontos divergentes com as gerações Crack e McOndo
Asco tem muitos mais pontos divergentes com seus contemporâneos de Crack e McOndo do que convergentes. Se analisarmos friamente, não há conexão alguma entre Moya e os escritores chilenos e mexicanos. A começar pela própria independência de Moya, que não se vinculou a correntes, manifestos e muito menos a receitas prontas e pretensiosas como inovadoras na literatura latino- americana.
Horacio Castellanos Moya faz o oposto do que fizeram, por exemplo, Fuguet, Gomes, Padilla e outros, ao assumir no posfácio de Asco, que seu romance foi um exercício de imitação de estilo de Thomas Bernhard. Em nenhum momento há algum tipo de negação de influências do realismo mágico, do boom, do pós-boom, pois não é preciso. O modus operandi literário de Moya é tão distinto do que era a praxe comum entre os escritores das várias gerações desde o realismo mágico que não houve necessidade de se auto proclamar o salvador da literatura latino americana, o escritor que chegou com uma forma sui generis nunca vista antes.
Moya demonstra sua qualidade estilística através do próprio fazer literário, em seu estilo narrativo. O fato de ser muito bem sucedido em sua narrativa é por ser um escritor ousado e usufruir de artifícios técnicos muito bem explorados, como a não utilização de parágrafos e indicações de diálogos convencionais, o formato de solilóquio e a impossibilidade de interrupção de seu interlocutor. Vemos nos escritores de Crack e McOndo formatos muito tradicionais de narrativas, repletas por travessões, sintaxe regular, sem quaisquer tentativas de explorar o leitor intelectualmente, pois não era esse o objetivo.
Em Asco percebemos as diversas interrupções, mesmo que mínimas, do interlocutor de Vega, o escritor Moya (lembremos dos conceitos bakhtinianos de autor pessoa e autor personagem) não como fragmentos da visão axiológica de um narrador onisciente, mas um exemplo de polifonia, ou seja, em nenhum caso – nem de Vega e nem de Moya – um discurso se sobrepõe ao outro, permanecendo ambos os pólos narrativos como elementos independentes que se complementam.
Ao se valer da diatribe de sua personagem (alter ego?), Moya também torna seu texto mais relevante estilisticamente e, assim como a personagem de Bernhard em Extinção, beirando a caricatura. Relevante porque o tom caricato na ficção é um terreno minado que pode não dar certo; mas Moya o realiza da melhor forma possível através de suas opiniões ad hominem (de Vega) e de todas as mazelas sociais, morais e culturais que critica, aponta, fere e profere impropérios. Vega não é mais um cidadão salvadorenho, por isso todas as suas críticas se concretizam de fora para dentro, e não o contrário. Vega se dirige a todos os meios de San Salvador, sem exceção, como ele mesmo denomina, com conhecimento de causa, inclusive à própria classe média da qual advém sua família. Em alguns momentos o discurso estereotipado de Vega se aproxima do discurso nazista ao se referir à arte de San Salvador como “arte degenerada”, ao paladar salvadorenho como inferior, ao povo como sub-raça e assim por diante. Não se sabe se Vega diz o que realmente pensa ou o que gostaria de pensar. Em todo seu relato há uma tendência bastante clara a formar estereótipos e crer realmente em suas paranoias.
No final do relato há uma tentativa de apagar, de fato, sua antiga identidade, quando Vega revela a Moya que ele não se chama mais Vega, mas Thomas Bernhard. Nesse momento nem o próprio Moya escapa ao crivo diatríbico de Vega.
Pode-se perceber que Asco em muito pouco ou em nada se assemelha com obras pertencentes às gerações Crack e McOndo, tanto por seu estilo narrativo mais denso e também pelo não “engajamento” de Moya.
Levando em consideração o contexto histórico e social no qual o autor de Asco estava inserido quando escreveu e publicou o romance, a análise literária só faz sentido se feita a partir de um ponto social e ideológico do objeto de investigação em questão. Por isso o investigador tem a incumbência (e por que não o dever?) de situar-se historicamente para que sua tese, assim, se concretize.
É interessante pensar na relevância de Horacio Castellanos Moya principalmente se levarmos em consideração dois aspectos: 1. Moya, mesmo não fazendo releituras de qualquer espécie de elementos do boom latino-americano, não encontra nenhum tipo de referência em seus próprios pares, nos autores de Crack e McOndo; 2. Asco é um romance no qual Moya, como num laboratório estilístico e narrativo, experimenta, ousa e vai muito além do que foram outros escritores, como Alberto Fuguet, Gomes, Ignácio Padilla.
A relação de Asco com o monumental romance de Bernhard é concretizado com senso apurado de um narrador sem amarras e sem medo de ousar, de ir além. Moya, ao se utilizar de seu alter ego, Edgardo Vega, em uma espécie de catarse, de epifania, de um momento nevrálgico, tenta extinguir, através do discurso, quaisquer relações que ainda mantenha com seu passado em San Salvador e com quaisquer resquícios de identidade que ainda restam. Portanto, Moya, mais uma vez vai muito além dos escritores de Crack e McOndo, pois ele não finge que a América Latina não existe; Moya não transforma o subcontinente como um todo em um simulacro de uma terra ideal onde circulam burgueses apolíticos que prezam por governos neoliberais, como os Estados Unidos, Canadá ou algum país da Europa, e sim a execra e a abomina, ou seja, por mais que o relato de sua personagem seja repleto de estereótipos e opiniões ad hominen, e também haja um forte embate de identidade, a existência de seu lugar de origem não é ignorado.
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Daniel Osiecki nasceu em Curitiba, 1983. Editor e escritor, publicou os
livros Abismo (2009), Sob o signo da noite (2016), fellis (2018), Morre
como em um vórtice sombra (2019) e Trilogia Amarga (2019). É mestre em
Teoria Literária. Organiza o sarau-coletivo Vespeiro – vozes literárias. E-mail: daniel@kotter.com.br
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